Entrevista com Chris Smalls, dos EUA: “O Movimento Operário está despertando”

Em 1º de abril, trabalhadores do centro de abastecimento JFK8 em Staten Island, Nova York, votaram a favor de se tornar a primeira instalação da Amazon nos EUA oficialmente sindicalizada. Seguindo a sindicalização no setor de serviço, e a onda de greves no outono passado, esse é um sinal claro de que o movimento operário nos EUA está despertando.

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Jose del Paso e Tom Trottier da Socialist Revolution, seção norte-americana da Corrente Marxista Internacional, entrevistaram o ex-funcionário da Amazon, Chris Smalls, que foi demitido por causa de suas tentativas de organizar uma greve em uma das instalações da empresa em Staten Island em função de procupações com a saúde diante da pandemia de Covid-19. Depois de encerrar seu trabalho, a Amazon tentou usá-lo como bode expiatório para manchar os esforços para organizar os trabalhadores da Amazon em todo o país. Chris fundou o Congresso de Trabalhadores Essenciais, uma aliança de trabalhadores que lutam por salários mais altos e melhores condições de trabalho para trabalhadores essenciais.

Socialist Revolution: Então, Chris, por quanto tempo você trabalhou para a Amazon? Você poderia nos contar sobre as condições que você se deparou enquanto trabalhava para eles?

Chris Smalls: Eu comecei na empresa em dezembro de 2015 em cargos de nível básico e abri três prédios para eles. O primeiro foi em Nova Jersey, o segundo prédio foi construído em Windsor, Connecticut, e meu último prédio foi em Staten Island [que era uma grande instalaçõe da Amazon, diferente das operações menores]. Quando comecei no nível básico, trabalhei duro por cerca de sete meses antes de ser promovido a assistente de processo – que em termos mais simples é praticamente um gerente assistente – e fiquei nessa posição nos últimos quatro anos.

Em termos de condições de trabalho, é verdade o que dizem. Esses edifícios são enormes, quase um milhão de pés quadrados. Cada instalação seria do tamanho de 14 campos de futebol da NFL [Liga de Futebol Americano dos EUA, NdT]. Era como caminhar pelo estado de Rhode Island todos os dias, como eu costumava dizer aos meus recém contratados: Você faz academia? Você pode pensar em cancelar porque está fazendo cerca de 10 a 12 horas de exercícios todos os dias.

Uau, sim, isso é intenso! E quando ouvimos esses relatos sobre as condições de trabalho, o que você percebeu quando a pandemia da Covid-19 iniciou e você começou a falar sobre essas condições? Quais eram as condições durante a pandemia para os trabalhadores nos armazéns da Amazon?

No início da pandemia, era uma situação muito assustadora, ver essa transmissão do vírus da Costa Oeste para a Costa Leste todos os dias, e ver meus funcionários e meu departamento começarem, um a um, em efeito dominó, a adoecer com sintomas semelhantes aos da gripe: tonturas, fadiga, cansaço. Muitos dos meus colegas de trabalho nem apareciam para trabalhar porque possivelmente já teriam contraído o vírus. Naquela época, não tínhamos máscaras faciais. Não tínhamos material de limpeza. Os suprimentos estavam esgotados e nenhuma diretriz de segurança foi aplicada. Então o que eu vi foi muito alarmante. Tentei ir pelos caminhos apropriados e fui à minha gerência local tentando perguntar a eles: “o que você vai fazer para nos proteger?”. Mas a Amazon não tinha soluções. Foi aí que comecei a tomar outras providências. Na verdade, há cerca de um ano, mais ou menos. Em meados de março de 2020, comecei a enviar e-mails para o departamento de saúde, para o público, para a mídia, tentando chamar a atenção da Amazon sobre isso.

Chris, posso perguntar sobre as condições de trabalho lá mesmo antes da pandemia? Era como trabalhar em uma fábrica? Existe uma pessoa que lhe dá ordens sobre o que fazer, ou as ordens vêm de um computador? Você acabou de mencionar 10 horas por dia. Isso é normal? Você tem uma pausa para o almoço, ou pausas no meio?

Sim, bem, é um armazém com produtividade o dia todo. Eu noto muita tecnologia dentro desses armazéns e parece muito inovadora, se você vê nos comerciais, parece enorme. É uma parte muito importante do armazém de produção e eles nos tratam como se fôssemos parte do processo. Na verdade, eu era a pessoa que tinha que supervisionar e colocar as pessoas em certas posições para monitorar e rastrear o trabalho e garantir que elas estivessem fazendo todo o seu trabalho no turno de 10 horas. Sim, cada turno é de 10 horas e você trabalha quatro dias por semana. Você tem três dias de folga. Mas no ano passado, esses trabalhadores foram submetidos a horas extras obrigatórias por causa da alta demanda, com a Amazon aumentando suas vendas. Então eles estiveram trabalhando por 50 horas, 60 horas por semana no ano passado.

Você faz o tempo de almoço de 30 minutos, o que definitivamente não é suficiente para um turno de 10 horas. Essa sempre foi uma das nossas maiores reclamações. Nossas pausas para o almoço nunca tiveram tempo o suficiente. Além do almoço, costumava ter dois intervalos de 15 minutos, mas pelo que ouvi recentemente dos trabalhadores, a Amazon mudou. Você só tem um almoço de 30 minutos e um intervalo de 30 minutos. É isso por 10 horas! Eles amontoam tudo em um intervalo e, durante esses 30 minutos, você não tem tempo suficiente para andar de um lado do prédio para o outro. Mais uma vez, isso é um milhão de pés quadrados para o outro lado. E como é quando você finalmente está no almoço? Tenta brigar por causa de um micro-ondas e, em seguida, tentar brigar por assentos no refeitório durante todo esse tempo… Você desperdiçou cerca de 15 minutos do seu horário de almoço. Então não é realmente uma pausa real para mim. Sempre foi extenuante, estressante e definitivamente uma experiência como confinamento solitário, por assim dizer. Você sabe, você sai para vir para esses prédios de manhã cedo e não vê a luz do dia, nem raiar o amanhecer. Você acorda às cinco, seis da manhã e trabalha um turno de 10 horas. Você sai às cinco, seis da noite. O sol está se pondo. Você não vê a luz do dia. E essa é a realidade de trabalhar lá. Você tem que estar preparado física e mentalmente para trabalhar nessas condições e lidar com isso.

Além desses dois intervalos de 30 minutos, você consegue usar o banheiro? Os trabalhadores têm que esperar até o intervalo ou podem fazer uma pausa no banheiro?

Então, aqui está a pegadinha. Você pode ir ao banheiro a qualquer momento. Eles nunca vão te dizer: “Ei, não, você não pode ir ao banheiro”. Mas temos que rastrear esse tempo, que eles paralisam enquanto você vai ao banheiro. Cabe a você acompanhar esse tempo de no máximo 30 minutos, o que significa que, durante o turno de 10 horas, você pode ir ao banheiro quantas vezes quiser – mas se passar de 30 minutos no total, se o seu tempo de trabalho estiver 30 minutos atrasado para a finalização da sua tarefa, então você está sujeito a ser reprovado ou, pior ainda, demitido. Então essa é a pegadinha. Você pode ir ao banheiro quando quiser. Mas tenha em mente que o tempo está sendo subtraído do seu tempo de descanso.

Quando você caminha até o refeitório, há realmente uma cafeteria lá? Eles vendem comida? E suponho que você teria que esperar na fila se fosse comprar comida. Isso é mais tempo que está saindo do seu almoço de 30 minutos.

Sim, claro. Existe um mercado. Você sabe, eles têm um mercado onde você pode comprar comida. Eles também convidam certos vendedores para irem lá, como instalações que têm Chick-fil-A [N.T: rede de fastfood] com o serviço de venda, ou eles terão uma pizza local. Mas sim, você está certo. Imagine esperar na fila atrás de duzentas, trezentas pessoas que também têm que ir almoçar ao mesmo tempo. E é com isso que você tem que lidar. Novamente, você também tem que lidar com brigas por causa de um micro-ondas, brigas por assentos no refeitório. Então você também tem que fazer com que dê tempo o suficiente para estar online, o que é sempre um aborrecimento. É sempre agitação, nunca há um momento de relaxamento ou para você se recompor. Sempre há produtividade, produtividade, produtividade. Você tem que voltar para sua estação, tem que voltar para sua estação. E essa se torna a mentalidade de um trabalhador da Amazon.

E você começou a falar sobre isso e começou a organizar os trabalhadores. Então, como você acha que os trabalhadores da Amazon podem ser organizados? Por exemplo, estamos vendo a pressão pela sindicalização no Alabama. Como você abordou isso? Estas são condições realmente difíceis às quais pessoas estão submetidas.

Sim, no meu caso, essa era uma questão de vida ou morte quando você entra em contato com o vírus. A pessoa com quem eu estava trabalhando? Ela testou positivo. Ela é supervisora. Ela estava em contato com centenas de funcionários. E minha preocupação era trazer esse vírus de volta para nossas comunidades e nossa família. Então, na hora de organizar essa situação, foi fácil para mim ter esse tipo de conversa com os trabalhadores naquela época do ano passado, vimos os problemas, vimos que não havia solução apresentada e todos queríamos agir. Mas agora você está vendo uma revolução maior, um movimento maior, você sabe, é internacional agora. Acho que é o momento perfeito porque, quando se trata do movimento operário nos Estados Unidos – os sindicatos diminuíram, menos de 10% da força de trabalho do país é sindicalizada. Então agora essas conversas estão começando a chegar aos olhos do público e estão começando a ressurgir dentro desses espaços novamente porque os trabalhadores agora têm a coragem de realmente formar esses comitês no local de trabalho. E é aí que começa, apenas começa com os trabalhadores tendo essa conversa. E agora que os trabalhadores, ativistas como eu e outros, estão aos olhos do público e estamos organizando os trabalhadores e conversando com os trabalhadores, está começando estimular todo o país – e especialmente com o sindicato no Alabama, que nós estamos todos vendo agora.

Você está envolvido no projeto de organização com a DSU no Alabama?

Bem, sim, eu os apoio e me solidarizo com eles. Não sou membro do sindicato (RWDSU – Retail, Wholesale and Department Store Union), mas definitivamente me solidarizo com esse sindicato. Eu definitivamente visitei esse local. Estive lá há duas semanas. Eu estava na base. Trouxe vários trabalhadores além de mim de diferentes instalações para me conectar com os trabalhadores do Alabama. Conversei com vários trabalhadores de lá só para ter certeza de que eles entendem a importância de votar no sindicato, e que essa luta é toda nossa luta. Esse sindicato tem uma grande oportunidade de ser a primeira organização da Amazon na história americana a ser sindicalizada. Isso é uma grande coisa.

Chris, quando você estava lá, você conversou com alguns dos líderes do RWDSU? Eles têm uma estratégia nacional sobre como vão organizar a Amazon ou estão apenas se concentrando no movimento do Alabama agora e, se vencerem, seguirão em frente?

Sim, agora está focado nesta instalação. Do jeito que funciona na Amazon, você tem que focar instalação por instalação. Portanto, o foco deles é realmente apenas nesta instalação da Amazon. Tenho estado em contato com os dirigentes sindicais, falo com eles o tempo todo. Falei com o organizador chefe de lá, Joshua Brewer. Eu sou uma parte de sua campanha, por assim dizer. Eles têm um site agora para apoiar os trabalhadores da Amazon. Existem todos esses conselhos diferentes em todo o país, mas estamos todos na mesma sintonia quando se trata de ampliar a campanha do Alabama. Então essa é a beleza disso – todo mundo no país agora está se concentrando apenas no Alabama. E sejam eles bem-sucedidos ou malsucedidos, seremos capazes de estimular outras instalações em todo o país.

Quando você discute com pessoas como Joshua Brewer ou pessoas do sindicato, qual é a estratégia geral deles em termos de vitória? Esta é uma grande empresa com uma enorme quantidade de armazéns em todo o país, como você bem sabe. Se você organizar um armazém, isso é uma vitória. Mas como é um polvo tão grande, eles podem mover coisas e isolar essa instalação, se necessário. Cerca de 10 anos atrás, as pessoas falavam em tentar organizar o Walmart. Lembro-me de que em Quebec os trabalhadores organizaram uma das lojas, e o Walmart acabou por fechar essa loja. Eles apenas disseram: “Tudo bem, você está organizando esta loja, bem, estamos fechando”, e eles simplesmente a fecharam – e isso foi o fim. Então, eu me pergunto, o sindicato está pensando nisso em termos de uma estratégia, se eles ganharem? Para poder defender essa vitória, é preciso ampliar as lutas, porque senão a empresa pode simplesmente deslocar essa instalação, e talvez até fechar essa instalação específica, ou reduzi-la em termos de tamanho e pessoal.

Eu posso te dizer isso: eu sei que isso sempre esteve na mente de todos, que a Amazon pode fechar a instalação. Nos últimos vinte e seis anos de sua existência, eles quase nunca fecharam uma instalação, e duvido que eles não soubessem que esses centros de atendimento faturam milhões de dólares por dia. E a razão pela qual eles estão nessas instalações, especialmente em centros de atendimento, é por ser altamente duvidoso que elas sejam fechadas. Isso significaria 6.000 pessoas perdendo seus empregos instantaneamente, em um momento em que a Amazon já está sob escrutínio pelo nível de exploração que sujeitam os trabalhadores também, e pelos trabalhadores que já demitiram, como eu e outros ativistas. Então essa é a última coisa que eu acho que eles vão fazer, fechar uma instalação com 6.000 trabalhadores, especialmente com 85% de população negra. Isso é apenas má publicidade agora. Então acho que não devemos nos preocupar com isso. Acho que nosso maior foco é, depois que esse prédio for sindicalizado, qual é o próximo? Acho que a razão pela qual Jeff Bezos deixou o cargo é que ele não quer se sentar com esses líderes sindicais. Ele viu isso chegando e não há nada que ele possa fazer para impedi-lo. Agora, acho que o movimento operário está acordado, as pessoas da classe trabalhadora estão acordadas. E agora que temos esses políticos e para chegar ao patamar mais alto – o “chefe no comando” é Joe Biden e ele já se pronunciou sobre isso. Não há como eles impedirem o que está chegando.

Vamos supor que o que você está dizendo esteja correto – parece razoável para mim que eles não fechem este lugar. Mas então, se você tiver um local sindicalizado tentando negociar um contrato, esse local teria apenas uma certa influência em uma grande empresa como essa. Então, qual é a estratégia do sindicato para poder disseminar isso? Porque, como você sabe, se os trabalhadores estão tentando negociar salários e benefícios, eles precisam de alavancagem, e em uma grande empresa como a Amazon, alavancagem significa milhares de trabalhadores. Quantos trabalhadores a Amazon tem?

A Amazon tem 800.000 trabalhadores nos EUA e cerca de um milhão em todo o mundo. Então, a partir disso você tem um pequeno grupo de cerca de 6.000 trabalhadores sindicalizados. Mas, para obter alavancagem, para realmente conseguir algo bom, eles definitivamente terão que espalhar a organização além desse lugar. Pelo que me disseram, o RWDSU nem está focando nas negociações do contrato. No momento, acho que a influência deles é o fato de termos suporte externo e internacional. Eles têm os acionistas da Amazon, cerca de 75 investidores, que já escreveram uma carta para Jeff Bezos dizendo que ele precisa parar o sindicato. E acho que cabe a nós e ao público garantir a proteção do sindicato. Portanto, eles têm publicidade e apoio suficientes no que diz respeito à alavancagem. Não estou realmente participando dessas discussões, mas acho que eles estão em um bom lugar agora. Acho que eles têm apoio suficiente em todo o mundo, onde estarão perfeitamente bem quando chegarmos à próxima fase, que descobriremos após 29 de março de 2021. Acho que o movimento operário está despertando e se organizando.

A história dos trabalhadores dos EUA inclui muitas batalhas grandes e às vezes muito militantes, especialmente na década de 1930. O movimento operário enfrentou algumas das corporações mais poderosas que estavam totalmente contra os sindicatos, e os trabalhadores acabaram conseguindo se organizar com sucesso. Infelizmente, muito dessa história não é bem conhecida. De sua perspectiva, acho que essas lições da história podem ser um recurso valioso para ativistas sindicais e outros organizadores – para estudar os sucessos e fracassos do movimento operário no passado.

É isso que estou fazendo agora enquanto falamos. Mesmo que tenhamos uma oportunidade perfeita, temos que sempre pensar: “e se não acontecer? E se não tivermos sucesso desta vez?”. Então, na verdade, estou trabalhando em minha campanha aqui em Nova York simultaneamente enquanto focamos no Alabama. A razão pela qual fui ao Alabama é para ver o que o sindicato estava fazendo no local, para realmente ver como eles se organizavam e como se relacionavam com os trabalhadores. Quais são as oportunidades perdidas? Quais são as oportunidades com as quais podemos aprender? Eu fiz minhas anotações e fiz minha equipe documentar certas coisas, e aprendemos muito. Agora nosso foco é ver isso até o fim. E se não for bem-sucedido, aprendemos com nossos erros e aprendemos como podemos avançar após a votação.