Perspectivas 2021 para o socialismo revolucionário nos EUA (parte 3)

O documento de perspectivas a seguir foi discutido e aprovado por unanimidade pelo Congresso Nacional da Seção dos EUA da CMI em outubro de 2021. Ele traça um balanço da profunda transformação do cenário político nos EUA e analisa os principais fatores que estão moldando a consciência de massa hoje.

Dezenas de milhões estão tirando conclusões revolucionárias. Nunca antes na memória viva houve tantas oportunidades para as ideias do marxismo se firmarem e se tornarem uma força política de massa. Se concorda com a análise aqui apresentada, convidamo-lo a aderir à CMI e a preparar-se para os acontecimentos históricos que se avizinham.

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O programa de Biden

Depois de suportar quatro anos desestabilizadores do caos produzido por Trump, os capitalistas querem um retorno à normalidade e esperam que Joe Biden possa restaurar a legitimidade danificada de suas instituições. Isso explica por que eles injetaram mais dinheiro nas eleições de 2020 do que nas duas eleições presidenciais anteriores combinadas – doando aos democratas quase o dobro do valor gasto com os republicanos. Estima-se que US $ 14 bilhões foram gastos – com doações em grande escala, respondendo por três quartos dos fundos doados – tornando essas eleições as mais caras da história.

Biden foi empossado sob a proteção vigilante de 25 mil soldados da Guarda Nacional, coroando a eleição americana mais caótica, violenta e polarizada em décadas. Um par de mãos seguras voltaria a dirigir o “comitê para administrar os assuntos comuns de toda a burguesia”.

Mas a saída de Trump só poderia oferecer o alívio mais fugaz para uma classe que governa sobre um sistema em declínio e atolado na crise. Em janeiro de 2020, um ano antes da revolta no Capitólio e bem antes de a pandemia se tornar verdadeiramente global, o New York Times expressou a visão da burguesia liberal americana da seguinte forma:

Nós, americanos, estamos envolvidos em um combate político e centrados no presidente Trump, mas há um câncer corroendo a nação que é anterior a Trump e é maior do que ele. Os suicídios estão em sua taxa mais alta desde a Segunda Guerra Mundial; uma criança em cada sete vive com um dos pais que sofre com o abuso de drogas; um bebê nasce a cada 15 minutos após a exposição pré-natal aos opioides; A América está decaindo como uma grande potência.
Temos problemas estruturais profundos que levaram meio século de gestação, sob os dois partidos políticos, e que muitas vezes são transmitidos de geração em geração. Somente na América a expectativa de vida caiu por três anos consecutivos, pela primeira vez em um século, por causa de “mortes por desespero”.

Essa referência a “problemas estruturais profundos” é um reflexo do desespero da classe dominante e seus bajuladores. Essas pessoas podem sentir em sua medula que seu sistema está em um impasse. Agora, os efeitos colaterais de 2020 estão amontoados na pilha de problemas subjacentes de longo prazo, como a catástrofe climática, a dilapidação da infraestrutura essencial e a rivalidade imperialista com a China. Isso coloca a classe dominante entre a espada e a parede.

Confrontados com a perturbação sem precedentes do funcionamento normal dos mercados capitalistas, os governos em todo o mundo foram forçados a tomar medidas compensatórias extraordinárias. Nos Estados Unidos, isso incluiu cheques de estímulo e pagamentos suplementares para completar a, notoriamente baixa, indenização por desemprego, com a qual, as pessoas, normalmente, tinham que sobreviver. Assim, milhões de trabalhadores mal conseguiram sobreviver após serem demitidos.

Por sua vez, as empresas americanas desfrutaram da maior bonança pública da história, com muitos executivos recebendo milhões em bônus, depois de dispensar dezenas de milhares de trabalhadores de suas folhas de pagamento. Sob os golpes da crise, a concentração do capital atingiu níveis vertiginosos. De março de 2020 a março de 2021, os bilionários da América aumentaram suas fortunas combinadas em mais de US $ 1,3 trilhão. E os bons tempos ainda estão rolando para Wall Street, com Biden no poder. JPMorgan Chase, o maior credor do país, arrecadou US $ 11,9 bilhões em lucros durante o segundo trimestre de 2021, um aumento de 155% em relação ao mesmo período do ano anterior. O Goldman Sachs teve um lucro líquido de quase US $ 5,5 bilhões nos mesmos três meses.

A fonte desses lucros, como sempre, é o trabalho não pago da classe trabalhadora. A produtividade do trabalhador aumentou 11,6% no quarto trimestre de 2020, enquanto a produção aumentava 23,1%, e as horas trabalhadas aumentavam 10,3%. Esse foi o maior aumento trimestral na produtividade do setor corporativo não financeiro desde o segundo trimestre de 1975, quando a medida alcançou 11,7%. Isso se deve, principalmente, a uma intensificação do trabalho e ao prolongamento da jornada de trabalho. Extrair cada grama de valor da classe trabalhadora é um imperativo mortal para os capitalistas em todo o mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, longas jornadas de trabalho levaram a 745 mil mortes por acidente vascular cerebral e doença isquêmica do coração em 2016, um aumento de 29% desde 2000. Quando os efeitos do excesso de trabalho e do estresse são adicionados às mortes causadas direta ou indiretamente pelo COVID-19 , talvez nunca saibamos o custo real da pandemia na saúde física e mental da classe trabalhadora.

Mas tudo isso são “externalidades” e “danos colaterais” no que diz respeito aos capitalistas. “Nunca desperdice uma boa crise!” é o ditado dos capitalistas mais astutos e seus fantoches no governo. Tirando vantagem do “choque e pavor” de tais eventos, eles acionam seus planos bem elaborados para transferir uma parcela cada vez maior da riqueza da sociedade para seus cofres. Dos US $ 4 trilhões gastos em medidas de estímulo até o final de 2020, apenas cerca de um quinto foi gasto em pagamentos a indivíduos, enquanto mais da metade foi para resgatar empresas – sem restrições ou obrigações para com seus trabalhadores. E, para milhões de trabalhadores, os pagamentos de estímulo apenas fizeram uma breve parada em seus bolsos antes de serem transferidos para as contas dos bancos, dos proprietários de imóveis e outros credores.

Após a segunda rodada de verificações no outono de 2020 – totalizando US $ 900 bilhões – as medidas de emergência continuaram com um projeto de lei “Covid Relief” de US $ 1,9 trilhão aprovado em março de 2021. Estimou-se que os gastos gerais do governo adicionaram 8,5 pontos ao PIB no primeiro trimestre de 2021. Como o crescimento total do PIB, naquele trimestre, foi de 6,4%, isso significa que a economia dos EUA teria sofrido uma contração de 2,1% se não tivesse sido sustentada pela mão amiga do Estado.

O PIB anual dos EUA corresponde, agora, a cerca de US $ 22 trilhões. Em junho de 2021, a dívida acumulada dos EUA era de US $ 28,5 trilhões, um aumento de 46% em relação a apenas cinco anos atrás, quando era de US $ 19,5 trilhões. Somente nesse ano, o déficit federal anual está projetado em US $ 3 trilhões – o segundo maior déficit desde a Segunda Guerra Mundial, superado apenas pelo de 2020. Destacando a taxa de crescimento sem precedentes dos gastos do Estado, a Forbes publicou, recentemente, uma previsão de que a dívida dos EUA alcançaria estonteantes US $ 89 trilhões – uma relação dívida / PIB de 277% – até o ano de 2029.

O Federal Reserve dos EUA desempenha o papel de banco central, responsável por monitorar a oferta de moeda, principalmente desde o fim do padrão-ouro em 1971. Para expandir e contrair a oferta de moeda, o Fed usa recursos derivados de depósitos de bancos privados em ordem de compra de títulos e títulos do Tesouro, bem como ações e títulos privados. Quando o Fed compra dívida federal, isso é chamado “monetização da dívida” – também conhecido como impressão de dinheiro. Do final dos anos 1970 até 2008, o Fed manteve uma política de “aperto monetário” na tentativa de manter a inflação sob controle. Em resposta à crise de 2008 – que foi a queda mais acentuada do PIB desde 1947 – o Fed começou a implementar uma política de “Flexibilização Quantitativa”, ou seja, de injetar dinheiro nos mercados financeiros, adicionando US $ 3,6 trilhões ao seu balanço entre 2008 e 2015. Esse balanço disparou para um recorde de US $ 8 trilhões em junho de 2021.

A tentativa imprudente e insustentável de desafiar a gravidade econômica revela a perplexidade e o espanto absoluto de uma classe dominante tateando no escuro. Michael Burry, o gerente de fundos de hedge, que previu e lucrou com a crise das hipotecas subprime de 2008 – dramatizada no filme “The Big Short” – agora afirma que uma “hiperinflação no perfeito estilo de Weimar” está se formando.

A oferta monetária total em circulação nos EUA aumentou em espantosos US $ 4 trilhões apenas em 2020 – um aumento anual de 26% e o maior salto desde 1943. O resultado inconfundível dessa injeção maciça de capital fictício já está sendo sentido no índice da inflação para os meses de abril, maio e junho: + 4,2%, + 5% e + 5,4%, respectivamente. Quando 4 em cada 10 americanos afirmam que sua renda continua afetada pela pandemia e dezenas de milhões mal conseguem se sustentar, mesmo um pequeno aumento nos preços pode reduzir drasticamente o padrão de vida.

O dilema impossível que Biden e o Fed enfrentam é que qualquer tentativa de domar a inflação, restringindo-se a oferta de moeda e aumentando as taxas de juros, pode levar a economia de volta a uma recessão profunda. Um dólar mais forte tenderá a aumentar as importações e prejudicar as exportações, enquanto o freio do crédito ao consumidor e às empresas tenderá a conter os gastos dos consumidores, a contratação de empresas e o investimento na expansão de empresas existentes ou no início de novas. Desde a última crise, a dívida corporativa dos EUA triplicou para um recorde de US $ 10,5 trilhões. Essa bolha permanece mais inflada do que nunca, após 2020 e, uma vez que muitos grandes bancos reiniciaram seus esquemas hipotecários “criativos” do passado, uma nova queda poderia dar origem a uma crise bancária generalizada, semelhante ou além do nível de 2008.

De acordo com Nouriel Roubini, conhecido como “Dr. Doom” (Dr. Apocalipse), por prever a crise imobiliária que deflagrou a crise de 2008 – pressões inflacionárias combinadas com índices de dívida insustentáveis estão preparando o terreno para “a mãe de todas as crises de dívida estagflacionárias nos próximos anos”. Embora o aumento dos preços possa aliviar o fardo de pagar a dívida doméstica de US $ 14,6 trilhões do país, os americanos estão acostumados há muito tempo com taxas de inflação baixas. Portanto, mesmo um aumento modesto, associado à recessão econômica, derrubaria o carrinho de maçãs da estabilidade social. A classe dominante tem plena consciência de que tal cenário praticamente garantiria uma intensificação da luta de classes, pois os trabalhadores seriam compelidos a agir para defender sua qualidade de vida em declínio – com ou sem o apoio dos dirigentes sindicais.

Um ano ou mais de bloqueio e quarentena reforçaram a tendência de buscar soluções individuais para problemas coletivos. Mas, à medida que as coisas reabrem gradualmente, milhões de trabalhadores perceberão que os problemas coletivos exigirão uma solução coletiva. Uma redução acentuada no poder de compra da classe trabalhadora pode ser o catalisador que desencadeie uma nova onda de descontentamento, protestos e ações de greve. As lutas mundiais explosivas de 2019 fornecem muitos exemplos de pontos de inflexão decorrentes de aumentos de preços nos itens do dia a dia. Entre eles estava o aumento da tarifa do metrô, que levou a um surto revolucionário no Chile, e os cortes nos subsídios aos combustíveis, que desencadearam a derrubada do regime no Sudão.

É impossível dizer, com precisão, quando chegará a próxima recessão. Mas podemos dizer, com 100% de certeza, que o ciclo de expansão e recessão não foi abolido, e que a inflação pode ser extremamente difícil de controlar depois de desencadeada. A economia pode ter se recuperado de forma impressionante das baixas chocantes da pandemia, mas o sistema ainda está nadando em excesso de capacidade, e outra crise de superprodução é apenas uma questão de tempo. A próxima desaceleração econômica não será uma mera repetição de 2008 ou de 2020, mas será agravada por essas experiências. Tendo já disparado tanta munição monetária, o Fed terá, então, menos meios à sua disposição para socorrer o sistema pela terceira vez – e a paciência das massas acabará atingindo seu limite absoluto.

Um novo “New Deal”?

Tudo isso está muito longe da ilusão de que Biden representa a segunda vinda de Franklin D. Roosevelt e implementará uma versão do século 21 do New Deal. Os socialistas revolucionários não devem se deixar confundir com a fumaça e os espelhos. Os liberais, os líderes trabalhistas, os reformistas e os stalinistas retratam FDR sob uma luz brilhante, e o New Deal, como uma era de reformas transformadoras para a classe trabalhadora.

Na realidade, as concessões daquele período foram fruto de lutas de classe militantes lideradas por socialistas revolucionários. Houve um aumento maciço nas fileiras do trabalho organizado, que triplicou o número de trabalhadores sindicalizados de 1934 a 1940. A luta de classes daquela época foi caracterizada por suas táticas, que incluíam ocupações de fábricas na forma de greves, piquetes e comitês de greve militantes, como os criados pelos trotskistas durante as greves dos Teamsters de Minneapolis em 1934. Essas batalhas de classes foram o que levou ao aumento dos salários e à melhoria dos benefícios e condições, e não o New Deal.

Em um esforço para interromper a crescente luta de classes e evitar a revolução, o governo aumentou os gastos com o auxílio desemprego, a seguridade social e projetos de infraestrutura. No entanto, a verdadeira força motriz para sair da Grande Depressão foram os gastos militares durante a Segunda Guerra Mundial, que ofuscaram os programas sociais do New Deal, bem como o planejamento econômico direto, sem precedentes, por meio de controles de salários e preços, e políticas de compras industriais. As políticas do New Deal não representaram uma transferência significativa de riqueza dos ricos para os pobres. Em vez disso, foram financiados por déficits keynesianos e esquemas fiscais regressivos como o FICA, que nada fizeram para impactar seriamente os lucros. Além disso, Estados Unidos era, então, o maior credor do mundo, ao passo que hoje é o maior devedor, uma diferença que mantém desde 1985.

Enquanto o período pós-guerra viu um crescimento constante do comércio internacional, o período atual é caracterizado por seu oposto direto – o aumento do protecionismo e das guerras comerciais entre os vários blocos comerciais. Esta tendência, particularmente a crescente rivalidade imperialista entre os EUA e a China, é anterior à política “América em Primeiro Lugar”, de Trump, e está sendo perseguida com igual entusiasmo por Biden e pelos democratas. Apesar das palhaçadas agressivas de Trump, seus quatro anos no poder apenas viram o déficit comercial dos EUA com a China crescer 70%. Agora a tocha passou para Biden, mas nenhum dos partidos capitalistas tem uma solução para este conflito, que decorre da contradição entre a economia de mercado e os estreitos limites do Estado-nação. Este é um círculo que não pode ser enquadrado.

A política externa de Biden representa uma tentativa utópica de retornar à era mais cínica, porém “cavalheiresca”, de Obama. Isso é mais fácil de dizer do que de fazer. Haverá conversas duras sobre a China e a Rússia, e uma tentativa de restabelecer o acordo de desarmamento nuclear com o Irã. Mas, afinal, o governo Trump realmente aconteceu, e o declínio relativo do imperialismo dos EUA no cenário mundial foi acelerado por suas ações. Por trás dos sorrisos de crocodilo, os punhais estão presentes entre todas as grandes potências, enquanto lutam para exportar a crise e o desemprego para seus rivais. Talvez o mais importante seja que os capitalistas do mundo não estão confiantes de que mais um zigue-zague da política externa dos EUA não ocorra depois de 2024. Tudo isso se retroalimenta na economia e na psicologia da classe trabalhadora.

Nos primeiros meses de mandato, Biden já retrocedeu nas promessas de aumentar o salário mínimo, de resolver o problema da dívida estudantil e de melhorar as condições dos imigrantes na fronteira. Ele não oferece nenhuma solução à crise de moradias para as dezenas de milhões, cujos aluguéis estão vencendo, muito menos para a crise da saúde, que exige a remoção do parasitário setor de seguros privados. Seu grandioso plano de infraestrutura, que visa, em grande parte, acompanhar a concorrência da China, está bem abaixo do que a Sociedade Americana de Engenheiros Civis estima ser urgentemente necessário. E suas ameaças de “tributar os ricos” até agora representaram um ajuste insignificante na taxa de impostos corporativos de sete pontos percentuais, antes de reverter o corte de impostos de Trump em 2017. Quanto à calamidade da mudança climática, voltar a aderir ao desdentado Acordo de Paris ou aos US $ 282 bilhões propostos para o desenvolvimento de medidas de resposta ao clima ao longo de uma década, é muito pouco e muito tarde – o combate efetivo às mudanças climáticas exigiria esse tipo de investimento em uma base anual e em escala mundial.

Assim, enquanto os liberais “ressuscitados” elogiam sua administração “progressista”, a classe dominante pode dormir tranquila sabendo que há uma promessa de campanha feita a doadores ricos que ele definitivamente manterá: “nada mudará fundamentalmente”. Dito isso, não se pode descartar que, em certo estágio, Biden ou algum futuro presidente possa ser forçado a conceder “reformas de cima” mais substanciais, e mais resgates financeiros em um esforço para manter a estabilidade. Em algum momento, a classe dominante pode até nacionalizar parcial ou totalmente alguns setores da economia. Sob intensa pressão revolucionária da classe trabalhadora, com o destino de todo o sistema em jogo, eles prefeririam isso a perder o controle por completo. Essa seria uma forma desesperada e precária de capitalismo de estado, não de socialismo, que deve incluir, não apenas a nacionalização das alavancas, chave da economia, mas a formação de um governo revolucionário por e para a classe trabalhadora.

Com os democratas no poder, haverá um declínio inevitável das formas de mobilizações de massa que vimos durante a presidência de Trump – embora isso, de forma alguma, exclua o surgimento de movimentos de massa de uma forma ou de outra. Depois de fazer campanha do que passa como de “esquerda” na política burguesa, os democratas governarão mais desde o chamado “centro”, ou seja, da direita. E apesar da retórica elevada de Biden, longe de entrar em um período prolongado de reformas e crescimento estável nas linhas da recuperação do pós-guerra, o capitalismo se encontra atolado nas piores contradições que já enfrentou.

Como as míticas Cila e Caríbdis de Homero, os monstros gêmeos da inflação galopante e de um retorno à recessão ameaçam a classe dominante de todos os lados. Chocar-se contra um ou contra ambos significaria um desastre para a lua de mel de Biden e do partido associado a sua administração – abrindo caminho para o retorno de Trump ou de alguém ainda pior. Mais cedo ou mais tarde, as massas serão compelidas a resolver o problema por conta própria para quebrar o ciclo interminável de instabilidade, de crise e de chicotadas políticas.

A ascensão do “socialismo democrático” na arena eleitoral

O renascimento do movimento socialista desde 2016 reavivou o antigo debate sobre a estratégia eleitoral. Dado que a política americana é dominada por dois grandes partidos capitalistas, a maior parte do debate na esquerda se concentrou em como os socialistas deveriam se relacionar com o Partido Democrata. A tendência dominante, dentro dos Socialistas Democratas da América e da revista Jacobin, argumentou que o movimento socialista deveria concorrer nas cédulas do Partido Democrata a fim de eleger candidatos e, assim, “construir o poder dos trabalhadores”. Essa tática foi descrita como o modelo de “substituto do partido”.

Os defensores dessa tática apontam o ímpeto e a visibilidade das campanhas de Sanders, bem como a reviravolta eleitoral de Alexandria Ocasio-Cortez (AOC), como prova de que sua tática está funcionando. Um número crescente de candidatos do DSA fez o mesmo nos últimos anos. Em 2017, quinze membros do DSA venceram as eleições estaduais e locais. Na metade do mandato de 2018, AOC e Rashida Tlaib foram eleitos para o Congresso, e membros do DSA foram eleitos para cargos em outras 40 eleições estaduais e locais. Nas eleições de 2020, Cori Bush e Jamaal Bowman se tornaram 3º e 4º membros do DSA eleitos para o Congresso, e 36, dos 48 outros membros do DSA que concorreram, venceram as eleições locais e estaduais. Juntos, os candidatos do DSA conquistaram 3,1 milhões de votos em 2020.

É evidente que, concorrer nas primárias democratas contra candidatos impopulares, oferece um caminho para vitórias eleitorais. Mas devemos perguntar: o que essas vitórias fizeram para realmente promover a causa do socialismo? Mais cedo ou mais tarde, o fracasso em realizar, até mesmo, reformas modestas, terá o efeito oposto, levando à desilusão do/o??? chamado “socialismo”.

A estratégia socialista não deve ser limitada ou guiada pelos mesmos parâmetros e pela lógica da política burguesa. A arena eleitoral é apenas um dos muitos campos de trabalho que podem servir para o avanço da luta de classes – e somente se a abordarmos de uma perspectiva revolucionária de classe. Lenin apontou isso em seu famoso livro Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo.

Os comunistas da Europa Ocidental e da América devem aprender a criar um parlamentarismo novo, incomum, não oportunista, sem arrivismo. É necessário que o Partido Comunista lance suas palavras de ordem; que os verdadeiros proletários, com a ajuda da gente pobre, inorganizada e completamente oprimida, repartam entre si e distribuam volantes, percorram as casas dos operários, as palhoças dos proletários do campo e dos camponeses que vivem nas aldeias longínquas (que, felizmente, existem em número muito menor na Europa que na Rússia, e são raras na Inglaterra), entrem nas tabernas frequentadas pelas pessoas mais simples, introduzam-se nas associações, sociedades e reuniões fortuitas das pessoas pobres; que falem ao povo não de forma doutoral (e não muito à parlamentar), não corram, por nada neste mundo, atrás de um “lugarzinho” no parlamento, mas despertem em toda parte o pensamento, arrastem a massa, tomem a palavra da burguesia, utilizem o aparelho por ela criado, as eleições por ela convocadas, seus apelos a todo o povo e tornem conhecido deste último o bolchevismo.

Em outras palavras, os socialistas deveriam usar as eleições como uma forma de alcançar a classe trabalhadora com ideias revolucionárias. Devemos ter um padrão totalmente diferente para medir o sucesso eleitoral. Em vez de simplesmente contar votos, vitórias e perdas, devemos perguntar: isso ajuda a classe trabalhadora a reconhecer seu poder potencial como uma força social com seus próprios interesses? Fortalece a consciência de classe e a unidade, e inspira confiança na capacidade coletiva dos trabalhadores de transformar a sociedade? Mina a legitimidade e expõe a hipocrisia dos partidos, dos políticos e das instituições capitalistas? Desnuda a natureza de classe do Estado burguês e ajuda os trabalhadores e a juventude a chegar à conclusão de que precisamos de um tipo diferente de Estado e governo?

Dessa perspectiva, a “tática” de usar a cédula democrata é evidentemente contraproducente, para não dizer totalmente reacionária. Isso não ocorre apenas porque o conteúdo político dessas campanhas é virtualmente indistinguível de outros liberais “progressistas” no Partido Democrata e, portanto, não consegue elevar o nível político de ninguém. Acima de tudo, é porque abala fatalmente a necessidade da mais estrita independência de classe – a ideia fundamental de que a classe trabalhadora deve lutar por seus interesses de classe e, em última instância, tomar as rédeas da sociedade. É impossível argumentar seriamente a favor disso enquanto se está na plataforma de um partido da classe dominante. Na verdade, tem o efeito oposto!

Concorrer nas primárias democratas, efetivamente, atrai os eleitores para o Partido Democrata e fomenta a ilusão de que os candidatos em oposição ao seu inimigo de classe podem lutar por seus interesses. Entre os três milhões de eleitores que apoiaram um candidato do DSA em 2020, poucos sabiam que os candidatos se consideravam socialistas – muito menos o que isso significava. Com Biden no poder, Bernie Sanders e os congressistas do DSA são vistos como parte de seu governo. À medida que aumenta a frustração e a raiva pela incapacidade dos democratas de oferecer uma solução para a crise, milhões se voltarão contra eles – e também contra esses “socialistas”. Isso não apenas prejudicaria a atitude das pessoas em relação ao socialismo, mas teria implicações importantes dentro do DSA, levando a duras batalhas internas e até mesmo a divisões. Muitos membros do DSA já estão insatisfeitos com o apoio de sua organização aos democratas, e outros seguiram em uma direção diferente.

O surgimento do Movimento por um Partido Popular das cinzas da campanha de 2016 de Bernie é outra expressão disso. Apesar de seu “populismo” multiclasse amorfo, representa um instinto saudável para romper com os partidos dos patrões. Existem também muitos socialistas individuais tentando reviver o Partido Verde em uma nova base. Em nossa opinião, a melhor coisa que essas e outras pequenas formações podem fazer é trabalhar no sentido de lançar as bases para um partido socialista de massas, enquanto levam essa batalha para os sindicatos. Tal partido viraria a política americana de cabeça para baixo e forneceria uma arena de massa para a batalha entre o reformismo e a revolução.

Devido às contradições do capitalismo e à falta de uma alternativa viável para a classe trabalhadora, podemos dizer que a ascensão de tal partido é, objetivamente, necessária. No entanto, uma ruptura massiva e coordenada com os democratas não é, mecanicamente, inevitável, mas só pode resultar de uma luta de forças vivas. Enquanto as condições objetivas colocam os movimentos revolucionários em movimento, o fluxo real e o resultado final desses processos são condicionados por numerosas considerações subjetivas, incluindo o equilíbrio de forças entre várias tendências políticas e o desenvolvimento do fator subjetivo final – o partido revolucionário.

A sociedade americana é um oceano abundante de potencial revolucionário. Mas existe uma enorme crise e vácuo de liderança, e isso é claramente evidente na arena eleitoral. Não existe um partido político que represente os milhões que marcharam contra o terror policial, ou os 54% da população que pensaram que o incêndio da delegacia de polícia de Minneapolis era justificado. Não há um partido para os milhões, que inundaram as ruas em 2019, para exigir uma mudança no sistema para enfrentar a crise climática. Não há um partido para os milhões que apoiam saúde pública, educação e creches públicas e gratuitas. Não há um partido para os explorados, oprimidos e marginalizados. Em suma, não há um partido para a maioria da classe trabalhadora, nenhum partido que lute pela revolução socialista em nossa vida.

Felizmente, existem milhões de ativistas, em potencial, para um futuro partido socialista da classe trabalhadora. Se trabalharmos corretamente, o crescimento exponencial nas fileiras dos marxistas norte-americanos nos permitirá a conexão com oportunidades futuras para ajudar a construir tal partido.

Independência de classe é a nossa palavra de ordem!

Nas últimas décadas, passaram-se gerações sem que o socialismo fosse um componente sério do debate político nos EUA. A esmagadora maioria daqueles que se tornaram politicamente ativos na esquerda nos últimos anos estão apenas começando a se familiarizar com as questões e debates que o movimento da classe trabalhadora têm enfrentado desde seus primeiros dias. Para um movimento socialista revivido, que se orienta após uma hibernação tão longa, os erros políticos e a confusão são uma parte natural do processo.

O renascimento do termo “socialismo” em si – apesar das ambiguidades em torno de seu significado e de seu conteúdo de classe – representa um grande salto à frente em comparação com a linguagem vaga de Occupy. Assim, enquanto liberais e conservadores distorcem e caricaturam o socialismo, os jovens estão cada vez mais descobrindo por si mesmos do que realmente se trata. O socialismo não é um esquema de liberais corruptos e estúpidos para taxar “americanos trabalhadores” e dar “esmolas” a indivíduos “preguiçosos e favorecidos”. Não se trata de reorganizar as espreguiçadeiras no deck ao afundar o barco do capitalismo, deixando intactas as alavancas do poder econômico e político. Nem pode o socialismo ser alcançado neste ou naquele país isoladamente, coexistindo pacificamente com o capitalismo em um grau ou outro. O socialismo genuíno deve ser global, internacionalista e revolucionário, ou não é nada.

O fato de o marxismo ser visto com bons olhos por 27% dos Millennials e 30% da Geração Z – cerca de 39 milhões de jovens no total – é um sinal promissor dessa trajetória futura. A tarefa dos marxistas é transformar os instintos revolucionários atomizados e amorfos desses milhões de jovens radicalizados em uma força política organizada dentro da classe trabalhadora. Isso só pode ser alcançado com base em uma afiada clareza política, em um programa revolucionário e em estruturas internas democráticas e disciplinadas. A experiência dos eventos ajudará uma camada crescente de socialistas a chegar à conclusão de que precisamos de independência de classe. O movimento socialista não deve ser associado ao partido de Wall Street e ao partido no poder – mas deve erguer a bandeira revolucionária inequívoca da classe trabalhadora.

No debate sobre estratégia e táticas socialistas, a independência de classe deve ser nossa palavra de ordem! É por meio de políticas independentes de classe que o movimento socialista se desenvolverá em um nível mais alto e avançado. No entanto, isso significa desafiar a imensa pressão da opinião pública burguesa.

Para todos os efeitos, vivemos em um ciclo eleitoral quase constante. Assim que as eleições terminam, outra campanha presidencial de dois anos começa. Os eleitores são incansavelmente pressionados a aceitar as duas opções “permitidas”. Nenhuma outra opção ou opinião tem espaço no debate. Isso é reforçado pelo fato de que praticamente todos os líderes trabalhistas são políticos liberais e aceitam sem questionar todos os preconceitos políticos que vêm com essa ideologia.

Diante dessa pressão colossal, os marxistas explicam contínua e pacientemente que a classe trabalhadora precisa de um partido próprio. Mesmo um pequeno partido que apresentasse candidatos a alguns cargos representaria um passo à frente na situação atual. Isso poderia ajudar a quebrar o impasse e preparar o terreno para coisas maiores e melhores – ganhando ou não as eleições no curto prazo.

Eventos, eventos e mais eventos continuarão a transformar a situação e a consciência da classe trabalhadora. Eventualmente, apresentar candidatos socialistas independentes não parecerá uma ideia tão descabelada e irracional, e o impulso se acumulará quando eles começarem a vencer com base nos princípios e na independência de classe.

A situação do movimento dos trabalhadores

Depois de várias décadas em que ocorreram poucas greves importantes e poucas batalhas trabalhistas proeminentes, a greve de professores de 2018 na Virgínia Ocidental marcou o início de um ponto de inflexão. O inspirador levantamento de 35 mil professores afastou as teias de aranha de décadas de aparente complacência. Três quartos dos grevistas eram mulheres – entre os trabalhadores mais oprimidos, subestimados e mal pagos do país.

Por treze dias, eles desafiaram audaciosamente a “legalidade” de suas ações, superando a resistência combinada do Estado e da liderança de seu próprio sindicato. Ao construir a solidariedade por meio de redes sociais reais e virtuais, eles fecharam as escolas públicas em todos os 55 condados do estado, ganhando um aumento de 5% e o apoio da classe trabalhadora em geral. Seu exemplo confiante rapidamente estendeu a onda de greves “Red for Ed” para Oklahoma, New Jersey, Arizona, Califórnia e mais além.

Em dezembro de 2018, a onda de lutas se espalhou para o setor privado, com quase 8 mil governantas, bartenders e outros trabalhadores do setor de serviços abandonando o trabalho em duas dúzias de hotéis em Detroit, Boston, San Diego, San Jose, Oakland, San Francisco , Maui e Oahu. Esta foi a maior greve de trabalhadores em hotéis da história dos Estados Unidos.

No final de 2018, o número de trabalhadores americanos envolvidos em grandes paralisações de trabalho, incluindo greves e bloqueios, foi o maior desde 1986. Houve vinte paralisações no total, cada uma envolvendo 1 mil ou mais trabalhadores – em comparação com apenas sete em 2017 — e o nível mais alto desde 2007. Mais de 90% dos cerca de meio milhão de trabalhadores envolvidos estavam nas indústrias de educação, saúde e assistência social. Outros milhares participaram de greves e lutas menores não refletidas nesses números.

O aumento nas lutas trabalhistas continuou de forma constante em 2019. Naquela primavera, 31 mil trabalhadores abandonaram o emprego em 241 supermercados Stop & Shop em Massachusetts, Rhode Island e Connecticut. A luta contra os cortes propostos em seus planos de saúde, pensões e pagamento de horas extras terminou com uma vitória parcial, com aumentos salariais para todos os trabalhadores e nenhuma mudança em seus planos de saúde. E, no Oregon, uma greve massiva de professores conseguiu fechar 600 escolas, não por salários mais altos ou benefícios, mas por salas de aula menores, mais enfermeiras, bibliotecários, arte, música e programas de educação física, material escolar etc.

Em setembro de 2019, quase 50 mil trabalhadores entraram em greve contra a General Motors. Esta foi a primeira grande greve em 12 anos contra a maior montadora de automóveis do país. Depois que a GM obteve mais de US$ 8 bilhões em lucros em 2018 e pagou ao seu CEO quase US$ 22 milhões, a empresa lançou um ataque para demitir 6 mil trabalhadores, totalizando 15% de sua força de trabalho assalariada. Os trabalhadores lutaram contra o esquema de contrato multicamadas, que joga uma seção da força de trabalho contra outra, fornecendo benefícios, pensões e aumentos para alguns trabalhadores, enquanto exclui outros. Os novos contratados recebiam apenas US$ 17 por hora para fazer o mesmo trabalho dos veteranos que ganhavam US$ 31. No final, os trabalhadores não conseguiram derrotar o sistema multicamadas, mas ele foi modificado até certo ponto.

Dentro do trabalho organizado, não há muita oposição organizada à liderança atual, mas isso vai mudar conforme novos trabalhadores entrem no movimento trabalhista e mais lutas se desenrolem. Na década de 1980, havia oposições organizadas no United Auto Workers (UAW), Transport Workers (TWU), na American Federation of Teachers (AFT) e nos Teamsters. Ainda há uma corrente de oposição nos TeamstersTeamsters for a Democratic Union – mas os outros grupos desapareceram ou foram cooptados pela liderança.

O maior empregador individual dos Teamsters é a UPS – uma das maiores empresas dos Estados Unidos e uma grande concorrente da Amazon, que está fazendo mais entregas internamente. A recente convenção dos Teamsters votou para lançar uma campanha para organizar a Amazon. Eles prometeram que não seguiriam o “manual de legislação trabalhista” – um sinal promissor após o desastre em Bessemer, Alabama. Mas falar é fácil, e vimos os líderes trabalhistas dizerem uma coisa e fazerem outra incontáveis ​​vezes no passado. Esses jogos só podem continuar por um certo tempo. A natureza abomina o vácuo – eventualmente, um ponto de ebulição será alcançado e os trabalhadores exigirão ação.

A questão do aumento da inflação também entrará em jogo. A maioria dos sindicatos não negociou mais o COLA, então os salários não aumentarão automaticamente. Se os preços crescentes continuarem a corroer os salários dos trabalhadores, isso pode se traduzir em descontentamento explosivo e em fermentação entre os trabalhadores organizados e não organizados. Um aumento nas batalhas de greve inevitavelmente levantará debates sobre como vencer, e a visão covarde de “trabalho em equipe com os patrões” dos líderes trabalhistas será submetida a um intenso escrutínio pela base. Isso levará à formação de correntes de oposição nos sindicatos.

A AFL-CIO tem aproximadamente 12,5 milhões de membros e cerca de 500 Conselhos Trabalhistas organizados em vários estados e regiões metropolitanas. Um deles é o Vermont State AFL-CIO, com cerca de 50 mil membros. Uma coalizão de esquerdistas conseguiu ganhar a maioria na liderança deste órgão e, embora tenham algumas posições políticas confusas, estão posicionados para desafiar as políticas da liderança nacional da AFL-CIO a partir da esquerda. Eles até organizaram uma votação a favor de uma greve geral no caso de Trump tentar um golpe após a eleição. O falecido presidente da AFL-CIO, Richard Trumka, ameaçou sancioná-los, mas acabou recuando.

Notavelmente, os sindicalistas de Vermont alegaram que tinham o apoio de Sara Nelson, líder dos comissários de bordo da Communications Workers of America (CWA), e Mark Dimonstein, líder do American Postal Workers Union (APWU) – o maior dos quatro Sindicatos do USPS.

Dentro da AFL-CIO como um todo, Sara Nelson tinha sido uma voz crescente da militância de classe, especialmente quando levantou a ideia de uma greve geral depois que Trump fechou o governo federal no final de 2018. Havia rumores de que Nelson concorreria para a chefia da AFL-CIO. No entanto, a convenção foi adiada até junho de 2022 devido à pandemia, e se Nelson está concorrendo a essa posição, não há informações sobre sua campanha.

Embora a pandemia tenha amortecido alguns aspectos da luta trabalhista, ela desencadeou uma onda de greves espontâneas e greves entre os trabalhadores da linha de frente. Apesar do conservadorismo da liderança trabalhista, um espírito militante está se desenvolvendo na classe trabalhadora, especialmente entre os jovens. Uma pesquisa realizada em 2018 revelou que quase metade de todos os trabalhadores ingressariam prontamente em um sindicato se tivessem a oportunidade. Em uma pesquisa Gallup publicada em setembro de 2020, 65% dos entrevistados disseram aprovar os sindicatos, empatando com 2003 e 1999 como o nível mais alto de apoio público nos últimos 53 anos.

Essa resposta reflete uma crescente consciência de classe – apesar da polarização distorcida das chamadas “guerras culturais”. Isso é particularmente impressionante, dada a enxurrada de propaganda anti-sindical na mídia e no local de trabalho – para não mencionar as políticas pouco inspiradoras e ineficazes dos líderes trabalhistas. Essa tendência é particularmente clara entre os jovens: 71% dos jovens de 18 a 34 anos apoiam os sindicatos.

Embora a geração do milênio (Millenials) constitua o maior segmento da força de trabalho dos Estados Unidos, a filiação sindical é atualmente mais alta entre os trabalhadores entre 45 e 54 anos. Muitos jovens estão confinados a empregos de meio período, que apresentam taxas mais baixas de sindicalização – 5,5% contra 11,2% para empregos de período integral. À medida que esses trabalhadores mais jovens ingressam nos sindicatos já estabelecidos e organizam outros, um espírito novo e de luta é injetado no trabalho.

Milhões de jovens americanos enfrentam uma vida inteira de trabalho precário, baixos salários e podem nunca desfrutar do luxo da aposentadoria. Eles têm muito menos ilusões nas instituições e partidos políticos do capitalismo e são, portanto, mais propensos a contrariar a colaboração de classe dos líderes sindicais no local de trabalho e nas urnas. Os democratas e os líderes sindicais estão desesperados para conduzir essa energia, o que explica o apoio declarado de Biden aos trabalhadores da Amazon e à Lei PRO, que tornaria mais fácil para os trabalhadores se sindicalizarem.

Os marxistas apoiam qualquer medida que melhore a vida dos trabalhadores e torne mais fácil para eles se organizarem e lutarem contra os patrões. Somos 100% a favor dos sindicatos como primeira linha de defesa contra os exploradores. Também entendemos que mesmo pequenas reformas podem, em certas circunstâncias, desencadear lutas mais amplas. Mas também enfatizamos que: 1) reformas sérias só resultam da luta de massas; 2) mesmo as concessões mais avançadas estarão sempre em perigo de serem recuperadas pelos patrões no futuro, a menos e até que o capitalismo seja derrubado de uma vez por todas. A mudança pela qual lutamos deve ser permanente, fundamental e sistêmica – não apenas superficial.

A Lei PRO propõe algumas reformas positivas. Mas não vai longe o suficiente, e não há garantia de que vai mesmo vingar. Biden e companhia visam manter a militância dos trabalhadores dentro dos canais seguros do Partido Democrata, dos tribunais, dos advogados, do National Labor Relations Board e da atual liderança trabalhista – que está comprometida em manter os trabalhadores na linha em nome dos patrões. Muito mais do que apenas a Lei PRO, os trabalhadores precisam de uma liderança sindical de luta de classes que flexione os músculos dos trabalhadores para fechar a produção e arrancar concessões sérias dos patrões. Precisamos da revogação da lei Taft-Hartley e de todas as outras legislações anti-sindicais já existentes. Precisamos de um partido político de massa próprio para lutar pelos trabalhadores em todos os níveis de governo.

Os democratas, os republicanos e os líderes trabalhistas podem ter sucesso em conter uma onda de luta em massa por um tempo. Mas a combinação de uma crise capitalista opressiva, de uma liderança trabalhista ineficaz e das aspirações traídas da juventude é uma receita infalível para o renascimento do sindicalismo de luta de classes – que terá repercussões decisivas na arena política.

Catástrofe climática: socialismo ou barbárie

Combinando-se a tudo o mais, está uma crise com potencial mais destrutivo do que o coronavírus. A inegável aceleração da mudança climática na última década trouxe a questão para a consciência da vanguarda de massa, particularmente para os jovens que serão forçados a suportar seus efeitos mais terríveis. Ela expõe a contradição flagrante entre a necessidade de um planeta habitável e as forças cegas do mercado.

O aquecimento pelo efeito estufa devido às emissões antrópicas nos últimos 200 anos está levando a humanidade às consequências mais ameaçadoras do capitalismo. A existência continuada do sistema muito além do tempo em que deveria ter sido derrubado apenas acelerou o processo. Quase metade do aumento do carbono atmosférico, medido desde os tempos pré-industriais, ocorreu nos últimos 30 anos. Vinte dos anos mais quentes já registrados ocorreram nos últimos 22 anos. Em fevereiro de 2020, os cientistas registraram a temperatura mais quente de todos os tempos na Antártica.

As mudanças climáticas são acompanhadas por todos os tipos de eventos climáticos extremos, transformando este problema de um conceito abstrato em uma ameaça muito real e direta. O ano de 2020 viu 30 grandes tempestades no Atlântico, mais do que em qualquer ano anterior. Em 77% do oeste dos Estados Unidos, a pior “mega-seca” em 400 anos está devastando a agricultura e ameaçando um dos principais “celeiros” do mundo, a Califórnia. Incêndios florestais incontroláveis ​​grassam em uma parte do país, enquanto enchentes e furacões bíblicos martelam outra.

Não devemos subestimar o impacto cumulativo sobre a consciência que uma nova exacerbação da crise climática terá, especialmente entre os jovens. Já 37% dos adultos da Geração Z relatam que “lidar com as mudanças climáticas é uma das principais preocupações pessoais”, e 59% dos adultos dos EUA acreditam que o governo federal está fazendo muito pouco para reduzir os efeitos das mudanças climáticas. E, embora a proposta real seja lamentavelmente insuficiente, um “Novo Acordo Verde” é percebido, subjetivamente, por muitos como um plano de intervenção governamental significativo para enfrentar as mudanças climáticas e criar empregos, e é apoiado por 66% da população.

A experiência leva a mudanças na consciência e os eventos climáticos extremos não são exceções. Podemos ter certeza de que – como a própria crise climática – o aumento do ativismo climático que testemunhamos nos últimos anos é apenas o começo. Em maio de 2021, metade de todos os americanos disseram ter experimentado um evento climático extremo no ano passado. À medida que esses incidentes se tornam mais comuns, a opinião popular sobre o que é necessário para conter a mudança climática acabará por ultrapassar os parâmetros atuais da discussão. O contraste entre as medidas que são objetivamente necessárias e o que o sistema pode oferecer só se tornará ainda mais pronunciado.

Não é mais possível para a classe dominante ignorar a questão das mudanças climáticas. Economistas projetaram que o custo dos danos causados ​​pela mudança climática aumentará, do impacto anual de hoje de US$ 1,7 trilhão, para um custo anual impressionante de US$ 30 trilhões, até o ano de 2075. Como representante do segmento dominante da classe capitalista, Biden falou muito, da boca para fora, da urgência de enfrentar as mudanças climáticas durante sua campanha. No entanto, fiel aos interesses de sua classe, suas políticas são, em última análise, restringidas pela motivação do lucro e pelos interesses do imperialismo dos EUA, não pela necessidade de garantir que as gerações futuras tenham um planeta para viver. Essa é a barreira fundamental para a rápida transição dos combustíveis fósseis para uma infraestrutura de energia totalmente renovável e com carbono negativo. Os capitalistas estão dispostos a falar sobre energias renováveis ​​– desde que a transição seja lucrativa.

Os capitalistas da indústria de combustíveis fósseis sabem que não têm nada a temer. Afinal, na época de Obama, Biden ajudou a presidir a mais acentuada expansão da produção de petróleo da história dos Estados Unidos. Isso explica porque o Índice de Exploração e Produção de Petróleo e Gás da S&P subiu 35% após a posse de Biden, apesar de seu compromisso declarado com o combate às mudanças climáticas. Claramente, os poluidores o veem como um aliado e não como uma ameaça.

Deixando de lado os gestos simbólicos, como o de voltar a aderir ao Acordo de Paris, Biden não está disposto ou é incapaz de realizar qualquer coisa perto da escala de transformação ou investimento que é urgentemente necessário. Em escala mundial, o Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados (IIASA) projeta que a transição para a energia renovável exigirá um aumento exponencial nos investimentos de agora até 2050, aumentando anualmente em US$ 550 bilhões adicionais em relação a cada ano anterior. Esse número só aumentará quanto mais continuarmos a queimar combustíveis fósseis. Mas o investimento global anual atual em energia renovável é de apenas US$ 300 bilhões – muito aquém do que é necessário.

Além desses custos, são necessários US$ 100 bilhões por ano para ajudar os países capitalistas menos avançados a cumprir suas metas de transição para 2025. Após séculos de pilhagem imperialista, os ex-países coloniais continuam a transferir US$ 2 trilhões anuais para os países ricos por meio de pagamentos de dívidas, fuga de capitais e repatriação de lucros. De acordo com o IIASA, manter esses países mais pobres no caminho para cumprir as metas mínimas de redução das mudanças climáticas até 2050 exigirá “consideravelmente mais” recursos.

Além do ritmo inadequado da transição para fontes de energia limpa, já há sinais claros de que os capitalistas forçarão a classe trabalhadora – especialmente no setor de energia – a arcar com o peso das mudanças. Demissões e ataques aos salários, benefícios e condições geraram greves e bloqueios recentes neste setor, fornecendo um vislumbre das amargas batalhas de classes no horizonte.

Enfrentar a crise climática não é uma questão de apertar o cinto e fazer pequenas mudanças aqui e ali, mas de uma reengenharia completa da maneira como a humanidade gera e utiliza energia em todo o mundo. Para efeito de comparação, a Segunda Guerra Mundial foi a luta coletiva mais cara já travada pela humanidade. Seu custo total foi de cerca de US$ 4 trilhões em dólares de hoje. Os recursos financeiros necessários para combater as mudanças climáticas superam essa soma.

Para administrar seus assuntos de tempo de guerra, os capitalistas foram forçados a entregar grandes setores da economia à direção ou à propriedade do Estado. Essas nacionalizações foram em sua maioria parciais e temporárias, generosamente compensadas e realizadas no interesse geral da classe dominante. Para realmente reverter a mudança climática, devemos ir muito além disso. Não podemos deixar aos caprichos dos capitalistas a reorganização de suas operações quando se tornar lucrativo o suficiente para eles.

A crise climática é global por natureza e somente uma solução global pode resolvê-la. A natureza da crise clama por uma economia socialista planejada sob o controle democrático da classe trabalhadora mundial. Em vez de ser restringida pela lógica arbitrária da motivação do lucro, a humanidade requer o controle consciente de suas forças produtivas para se organizar e levar a cabo uma luta unida contra essa catástrofe iminente.

Revolução socialista em nossa vida!

Os acontecimentos dos últimos anos não podem deixar dúvidas de que entramos realmente na época da revolução mundial. Com o movimento George Floyd do verão passado, os trabalhadores americanos tiveram um vislumbre de seu potencial revolucionário e de seu futuro. Se uma forte organização marxista com raízes nas principais indústrias e camadas da classe trabalhadora estivesse em posição nos Estados Unidos no verão passado, 2020 poderia ter marcado o início do fim para o capitalismo mundial.

A evidência do impasse histórico do capitalismo está em toda parte. Embora ainda não o formulem de forma clara ou consciente, milhões de americanos podem senti-lo em seus ossos. O sonho americano e a ideia do excepcionalismo americano foram destruídos. Cada grande evento e crise “única na vida” é mais um grão de areia na pilha de areia acumulada da revolução social.

A crise de 2008 destruiu a fantasia burguesa sobre o suposto “fim da história” após o colapso da União Soviética. Com ele, a relativa calma e estabilidade do período anterior deu lugar a uma época de descontentamento, mal-estar – e luta. Uma nova geração está preenchendo as fileiras do proletariado americano, e um número incontável deles já está totalmente aberto às ideias do marxismo revolucionário. Outros milhões seguirão no rastro.

Depois de décadas nadando resolutamente contra a maré, uma mudança agora é perceptível. Embora não devamos confundir o que entendemos com o entendimento atual das massas, contra-correntes poderosas estão preparando um público de massa para nossas ideias e programa. Nunca houve melhor época ou um conjunto mais favorável de condições materiais para que o socialismo revolucionário se enraizasse e se tornasse um fator influente na vida americana. Esse potencial objetivo é o que nos dá confiança nas perspectivas de realização da revolução socialista em nossa vida.

O otimismo revolucionário nada tem em comum com “sempre olhar para o lado positivo” ou com a esperança cega de que as coisas vão melhorar. É o resultado de uma análise científica do capitalismo e de suas perspectivas, uma compreensão da história da luta de classes e da maneira como a consciência de massa é transformada por meio da experiência. Reconhecemos plenamente que existem forças e inimigos poderosos no caminho da transformação socialista da sociedade. Mas a história mostra que existe uma força ainda maior do que a mídia, o político ou o Estado mais poderoso – o poder unido da classe trabalhadora.

A história também nos mostra que apenas uma convergência de fatores objetivos e subjetivos favoráveis ​​pode levar à derrubada bem-sucedida do capitalismo e sua substituição por um governo dos trabalhadores. O que falta hoje é o fator subjetivo – uma liderança revolucionária. Como Trotsky explicou no “Programa de Transição”, a crise da humanidade é caracterizada principalmente por uma crise histórica da direção do proletariado. Uma liderança revolucionária e sólida da classe trabalhadora é necessária, não apenas no momento decisivo da revolução, mas também para as inúmeras lutas, pequenas e grandes, que organicamente constroem o impulso em direção a esse cálculo revolucionário.

O capitalismo mostrou sua resiliência repetidas vezes, mas suas reservas não são infinitas. Ele alcançou seu prazo de validade há um século e poderia e deveria ter sido derrubado agora. Ele ainda está de pé apenas porque foi salvo repetidas vezes pelos reformistas de todos os matizes. A batalha entre reformismo e revolução não é apenas uma questão teórica ou histórica. As ideias reformistas não são apenas utópicas, mas mortalmente perigosas, pois distraem e desviam da tarefa fundamental de desenraizar o capitalismo de uma vez por todas.

Agora não é hora de vacilar, transigir e diluir nossos princípios e programa! Não existem atalhos artificiais. Erros políticos acabam sendo pagos na prática. Devemos permanecer firmes e resistir às pressões alheias de classe do oportunismo e do sectarismo, que só se intensificarão à medida que crescermos em número e influência. Para combater isso, devemos redobrar nossos esforços para dominar o método do materialismo dialético – simplesmente conhecer uma posição ou aplicar uma tática mecanicamente não é marxismo!

A próxima década será crítica para o futuro da humanidade. Devido à fraqueza objetiva da classe dominante e à fraqueza subjetiva da liderança dos trabalhadores, os estertores do capitalismo serão prolongados e dolorosos. Temos algum tempo para fazer nosso trabalho – mas não todo o tempo do mundo. À medida que avançamos em direção à metade do século 21, não é uma questão de manter o status quo indefinidamente, com o socialismo como um bom “bônus” possível – é literalmente a escolha entre socialismo ou barbárie. Devemos ter o senso da urgência. Felizmente, o equilíbrio de forças da classe é esmagadoramente a favor dos trabalhadores – e só precisamos vencer uma vez.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.

PUBLICADO EM MARXIST.COM