A luta de classes iraniana: uma bomba-relógio

O descontentamento continua a fervilhar em todo o Irã. Desde o início de dezembro ocorreram pelo menos 240 greves e protestos. As manifestações estão se estendendo a camadas cada vez maiores da sociedade, incluindo estudantes, bazaaris (comerciantes e trabalhadores das feiras e mercados tradicionais), aposentados, desempregados e trabalhadores de todos os setores.


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Há continuamente greves e protestos esporádicos de 2.500 trabalhadores do petróleo; os protestos de enfermeiras lutando na linha de frente contra a Covid-19; a luta dos trabalhadores de Haft Tappeh contra a privatização; e muitas greves e protestos por salários não pagos e seguro social em todo o Irã. Enquanto essa onda de protestos e greves cresce, a situação econômica se deteriora rapidamente. A luta de classes iraniana é uma bomba-relógio prestes a explodir.

A economia do Irã está completamente paralisada pelas sanções impostas pelos EUA, bem como pela atual crise econômica mundial, agravada por décadas de má gestão capitalista. Desde 2018, o PIB do Irã caiu 12% e deverá cair mais 5% em 2021. O regime não tem opção a não ser imprimir dinheiro para manter o capitalismo iraniano à tona. A inflação é oficialmente de 30%, mas na realidade chega a 100%. O programa de subsídios e resgates aos capitalistas já está entrando em colapso, com cada vez mais demissões e um número crescente de falências.

Isso criou um pesadelo para as massas. Oficialmente, o desemprego é estimado em 35%. A maioria dos trabalhadores está informalmente empregada, vivendo sob constante medo de ser despedida, o que acarreta constantes protestos de desempregados e trabalhadores contratados de Khorasan ao Khuzistão, exigindo contratos de tempo integral. A segurança social – incluindo pensões, auxílio-desemprego e subsídios – está a perder o valor em face à inflação e é devorada pela corrupção do regime.

Ao longo de 2020, houve protestos esporádicos de aposentados, mas desde dezembro já ocorreram mais de dez protestos nacionais. Em 10 de janeiro, manifestações foram organizadas em Teerã, Karaj, Mashhad, Ahvaz, Tabriz e muitas outras cidades. Em Ahvaz, os manifestantes seguraram cartazes dizendo “os aposentados estão com fome”. Em Teerã, Davood Razavi, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Teerã e da Suburbs Bus Company, fez um discurso no qual disse: “Nos últimos 40 anos, não apenas este parlamento, mas todos os parlamentos não fizeram nada pelos trabalhadores, aposentados e os pobres e, em vez disso, conspiraram constantemente contra nós”. Essas manifestações exigiam uma pensão vital, o pagamento das dívidas do Estado ao fundo de pensão e levantaram demandas mais amplas do movimento dos trabalhadores, como a proibição das privatizações e a introdução de um salário-mínimo.

Mesmo quando encontram trabalho, as massas mal conseguem sobreviver. De acordo com a Associação Nacional de Aposentados e Pensionistas, a renda média de um trabalhador representa apenas 40% das despesas domésticas. É comum que os trabalhadores fiquem sem salários por meses a fio! O desemprego maciço força os trabalhadores a permanecerem sob contratos horríveis. Nas áreas mais pobres, há até relatos de trabalhadores que compram pão a crédito. Um funcionário em greve, do município de Omidieh, explicou:

“Em 5-6 meses, recebi apenas um salário, meu seguro social não é pago. O que temos feito para merecer esse sofrimento, para trabalhar e só poder comprar um quilo de frango e um saquinho de arroz? Logo é Valda (festival de inverno), terei convidados, mas como posso alimentá-los se mal posso alimentar minha família? Se meu filho adoecer, não posso fazer nada. Estou cansado disso!”

Essa é a realidade para milhões de iranianos. O próprio regime admite que 75% da população deve ser considerada pobre e estima que 35% a 50% da população vive na pobreza absoluta. Embora o regime admita o problema, é totalmente impotente para resolvê-lo.

Covid-19: sem fim à vista

Tudo isso enquanto a pandemia de Covid-19 continua. O Irã ultrapassou sua terceira onda. No total, 1,31 milhão de pessoas foram infectadas e 56.621 morreram. Embora esses sejam apenas os números oficiais, o número real de mortes é possivelmente três a quatro vezes maior! Embora as restrições de bloqueio em camadas limitassem a disseminação do vírus, o sistema de saúde ainda estava completamente sobrecarregado.

O subfinanciamento, agravado pelas privatizações dos hospitais feitas pelo presidente Hassan Rouhani, levou a uma escassez crônica de enfermeiras estimada em 250 mil. O regime colocou a responsabilidade da escassez nas próprias enfermeiras. Um terço destas profissionais é submetido a contratos de 89 dias, nos quais não recebem horas extras, geralmente não recebem nada durante meses seguidos e não têm equipamento de proteção, o que causa muitas mortes. Uma enfermeira que trabalha em meio período no setor privado em Isfahan explicou:

“Nossos salários não estão de acordo com a legislação trabalhista. No mês passado, eles nos pagaram 1,7 milhão de tomans (aprox. R$ 2.140). Não há trabalho em nenhum outro lugar, o que nos obriga a esses contratos, trabalhando em dois ou três empregos para receber o mesmo valor que um contrato de tempo integral. Embora trabalhemos mais do que eles, recebemos um terço a menos.”

Desde o início da pandemia, muitas enfermeiras não fazem nada além de trabalhar e protestar para receber seus salários, equipamentos de proteção etc., entre seus longos turnos. Em uma tentativa do regime de subornar os trabalhadores, as enfermeiras do setor público receberam um aumento salarial de 50%, mas os protestos continuaram. Só nas últimas duas semanas, houve mais de 20 protestos em Teerã, Mashhad, Ahvaz, Shiraz, Tabriz e outras cidades.

Os epidemiologistas do Irã esperam uma quarta onda em fevereiro, o que significaria alta pressão sobre o sistema de saúde e também um retorno a restrições mais rígidas. O sistema de restrição em camadas desacelerou a disseminação da Covid-19 com grande custo para as massas. Durante o bloqueio estrito de duas semanas em dezembro, os trabalhadores foram mandados para casa com pouco ou nenhum pagamento. Bazaaris e vendedores ambulantes forçados a fechar sem ajuda do governo estão se juntando aos trabalhadores na pobreza. No Grande Bazar de Teerã, um mascate explicou: “Se eu não trabalhar por alguns dias ou duas semanas, não posso sustentar minha família. Embora eu esteja ciente do perigo da Covid-19, não tenho escolha a não ser sair para a rua e colocar minhas mercadorias à venda”. No Vakil Bazaar de Shiraz, 70-80% dos artesãos fecharam suas lojas para sempre. O regime puniu cruelmente os bazares por quebrar as restrições, em alguns casos destruindo barracas e mercadorias.

A luta pelo controle dos trabalhadores

A luta dos trabalhadores da plantação de açúcar Haft Tappeh, a greve mais radical, continua. Uma parte do regime está apavorada com suas demandas radicais, incluindo a nacionalização da fábrica sob controle dos trabalhadores, o reconhecimento de seu sindicato, a prisão de seu atual proprietário Omid Asadbeigi por corrupção, a renovação de seus seguros e o pagamento de salários não pagos. Como resultado, essa parte tentou apaziguar os trabalhadores, expropriando Asadbeigi por meio da agência nacional de inspeção. Isso só levou a lutas internas dentro do regime, com o governo bloqueando a desapropriação por meio da organização de privatização.

Em novembro, Asadbeigi (com apoio de parte do regime) tentou intimidar o sindicato Haft Tappeh prendendo e demitindo líderes sindicais e enviando forças de segurança para ocupar a plantação. O tiro saiu pela culatra quando o apelo do sindicato por solidariedade levou, da noite para o dia, 40 organizações de trabalhadores a apoiá-lo. O sindicato Haft Tappeh disse: “o setor privado transformou Haft Tappeh e parte do Khuzistão em um campo de batalha”, mas isso apenas fortaleceu a determinação dos trabalhadores. Constrangido pela clara conspiração entre parte do estado e Asadbeigi contra os trabalhadores de Haft Tappeh, o regime foi forçado a levar o caso a julgamento a partir de 23 de dezembro.

No mesmo dia, Haft Tappeh publicou uma carta dirigida aos tribunais, reiterando suas demandas não só pela nacionalização, mas também:

  • Pagamento imediato de todos os salários e benefícios não pagos.
  • Retorno de todos os trabalhadores demitidos (incluindo trabalhadores não canavieiros) ao trabalho e pagamento de salários e benefícios pelo período de sua prisão ou expulsão.
  • Reconhecimento de organizações dos trabalhadores independentes e, especificamente, do sindicato de trabalhadores Haft Tappeh pelo governo.
  • Reconhecendo o direito de protestar, fazer greve, comício etc.
  • Reconhecer os representantes independentes e eleitos pelos trabalhadores no domínio da fiscalização das condições de saúde e segurança no trabalho, prevenção de acidentes, cumprimento do horário de trabalho etc.
  • Eliminação e remoção de responsabilidade de toda a gestão anterior. Os gerentes da empresa devem ser aprovados pelos trabalhadores. Para evitar todos os tipos de furtos e desfalques, é necessário que:
    • Os trabalhadores supervisionem a produção, o emprego, as máquinas e as matérias-primas, os depósitos de produção e as terras de propriedade da empresa para evitar a venda de terras por seus representantes eleitos. Também, que os trabalhadores tentem evitar demissões e estabilizar as finanças da Haft Tappeh Company, que foram minadas pela corrupção e peculato.
    • Os representantes dos trabalhadores têm o direito de revisar os documentos relativos ao balanço da empresa, lucros e perdas e contas de fluxo de caixa, ou mudanças na tesouraria da companhia.

Os trabalhadores também estão colocando suas demandas, em termos de classe, claras, perguntando: “vocês vão se render a Rouhani, Jahangiri, Asadbeigi, isto é, ao capital? Você vai considerar a realidade das massas, dos mil trabalhadores de Haft Tappeh?” Seguiu-se a ameaça aberta de que “qualquer atraso na rescisão [do contrato da Asadbeigi e na renacionalização da empresa] não será ouvido com silêncio, mas ficará registrado na história e enfrentará protestos graves dos trabalhadores da Haft Tappeh”.

Já em 22 de dezembro, os trabalhadores da Haft Tappeh convocaram uma manifestação para o dia seguinte em frente ao Ministério da Justiça em Teerã. A manifestação recebeu apoio entusiástico de estudantes e sindicalistas, incluindo as demandas pelo controle dos trabalhadores. Infelizmente, a manifestação foi sequestrada pelos Basij: paramilitares ligados à facção principalista (conservadora) da República Islâmica, que gritaram contra os slogans radicais “pão, liberdade e comitês [controle dos trabalhadores]” com os seus.

O sindicato Haft Tappeh divulgou um comunicado dizendo que “Basij participou de todas as ações do regime contra a classe trabalhadora” e que a luta do sindicato não se limita à nacionalização: “[fizemos] outras reivindicações não só contra o governo, mas todo o capitalismo e todas as facções do regime”. O canal Telegram dos trabalhadores independentes de Haft Tappeh explicou mais claramente que “nós acrescentaríamos que, de fato, ambas [as facções da República Islâmica] são nossos inimigos de classe ligados ao capitalismo iraniano”. A facção “principalista” do regime, ligada ao sistema religioso e ao aparato estatal, tenta se apresentar como defensora do setor público. Na verdade, isso é para seu próprio interesse: eles tratam o setor público como sua propriedade privada e o sujeitam à corrupção e ao nepotismo galopantes.

Seja privado ou público, é a mesma classe capitalista podre no poder. Seu único interesse é o auto-enriquecimento através do roubo e da exploração, às custas dos trabalhadores. Os trabalhadores da Haft Tappeh não estão sozinhos na luta contra as privatizações e a corrupção. Por exemplo, 7 mil trabalhadores da Transverse (a maior empresa de construção e manutenção de ferrovias do Irã) entraram em greve em novembro, levando à renacionalização da empresa. Mesmo assim, seus trabalhadores em Teerã, Hormozgan, Lorestan e outros lugares não foram pagos, em alguns casos, desde setembro, com ameaças crescentes de uma nova greve. A demanda dos trabalhadores de Haft Tappeh pelo controle de sua classe delineia o caminho a seguir para a luta contra a privatização e a corrupção.

Sem saída, a não ser pela revolução

As greves e protestos vêm crescendo continuamente, independentemente das promessas vazias do regime. É claro que eles não podem governar o país como antes por meio de apelos ao Islã e à unidade nacional, nem por meio da violência e de promessas vazias. Cada tentativa de suprimir esse crescente movimento dos trabalhadores saiu pela culatra. A pressão crescente da crise econômica e da luta de classes está levando a divisões e conflitos internos no topo.

Na frente econômica, o orçamento do governo atual tem sido um desastre completo. Mais de um terço do financiamento do orçamento veio da impressão de dinheiro, privatizações e empréstimos do fundo nacional de desenvolvimento. Isso significou que o governo Rouhani tentou um aumento de dez vezes na receita das privatizações, o que apenas aumentou a divisão entre o governo Rouhani e os principalistas. Ambas as facções usaram demagogicamente as demandas dos trabalhadores, escândalos de corrupção e privatizações em seu próprio benefício, levando a um impasse.

A classe trabalhadora só pode depender de si mesma e de suas próprias organizações. O crescente movimento dos trabalhadores do Irã está vendo o surgimento de um movimento nacional. Não é suficiente apenas apoiar a contínua luta separada dos trabalhadores; é necessário travar uma luta unida de toda a classe trabalhadora iraniana contra os capitalistas e o regime. As organizações de trabalhadores devem construir as bases para tal luta por meio de um programa comum de demandas políticas e econômicas com base no “pão, liberdade e comitês”: o direito de greve e protesto, reversão de toda austeridade do período anterior, salários dignos e pensões que aumentam de acordo com a inflação, abrindo a contabilidade em todos os bancos e grandes empresas e lançando as bases para a prisão e expropriação de todos aqueles que se provarem corruptos. Outras demandas devem incluir a renacionalização de todas as empresas privatizadas sob controle dos trabalhadores e a introdução de tal controle em toda a economia estatal. Diante das tarefas imediatas da pandemia de Covid-19, o sistema de saúde deve ser totalmente nacionalizado e colocado sob o controle dos trabalhadores, juntamente com todas as indústrias relacionadas.

A situação atual é um levante em formação, e tal programa encontraria um amplo eco na sociedade iraniana. Uma revolução está prestes a acontecer. Todos os movimentos do período passado falharam porque faltou a força organizada da classe trabalhadora. No entanto, sob a liderança da classe operária e com base em um programa revolucionário, as lutas dos trabalhadores, das classes médias, dos estudantes e dos agricultores poderiam ser articuladas com o objetivo de derrubar a República Islâmica. Tal movimento, caso se materialize, quebraria rapidamente a espinha do regime podre e abriria uma nova era na história do Irã.

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