Anarquismo na Revolução Espanhola e na Guerra Civil: ação sem teoria é cega

Em julho de 1936, o golpe de Estado do General Franco foi derrotado através de uma revolta revolucionária da classe trabalhadora, e os anarquistas emergiram como a força dirigente. Contudo, seu programa e perspectivas revelaram-se impotentes, face aos acontecimentos. Traíram a revolução várias vezes e, em parte, devido aos seus erros, o proletariado espanhol foi esmagado. O fascismo estabeleceu uma ditadura de quatro décadas. É dever de todos os anarquistas que pensam analisar criticamente os acontecimentos na Espanha e tirar todas as conclusões necessárias.

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Os anarquistas eram uma força de massas na Espanha na década de 1930: a sua organização sindical, a Confederação Nacional do Trabalho (CNT) e a sua ala política, a Federação Anarquista Ibérica (FAI) tinham centenas de milhares de membros e desempenharam um papel de liderança na luta de classes. Os setores mais combativos e corajosos do proletariado encontravam-se nas fileiras da CNT. Infelizmente, porém, determinação e coragem não são suficientes para garantir a vitória – também são necessárias ideias corretas, algo que faltava aos anarquistas.

Em 14 de abril de 1931, as eleições municipais deram uma vitória retumbante aos candidatos republicanos. Ocorreram em um contexto de intensa efervescência social após o fim da ditadura militar de Primo de Rivera. Após o resultado das eleições, o rei Alfonso XIII fugiu do país. A monarquia colaborou estreitamente com a ditadura na década de 1920 e estava profundamente desacreditada. A Segunda República foi proclamada com a conivência da maior parte da classe dominante, que entendia que os Bourbons se tinham tornado um risco e que prolongar o seu domínio estimularia as massas a seguirem em uma direção perigosa e revolucionária.

A República foi bem acolhida pelas amplas massas populares. Mas os acontecimentos de 14 de Abril, que liquidaram a monarquia, mantiveram, ao mesmo tempo, a estrutura social da Espanha capitalista, incluindo a maior parte do antigo aparelho de Estado. As reivindicações sociais e democráticas básicas dos trabalhadores e dos camponeses pobres eram incompatíveis com esse sistema social e político. Mesmo as transformações democráticas básicas, como a separação entre a Igreja e o Estado, o expurgo dos reacionários da burocracia estatal e do exército e, o mais importante, a autodeterminação dos bascos e catalães e uma profunda reforma agrária não poderiam ser conquistadas sem atacar a grande propriedade privada e o Estado que a protegia. Os republicanos burgueses não puderam realizar essas tarefas. Só o proletariado seria capaz de impulsionar a revolução democrática, mas, no processo, iria, inevitavelmente, atacar o capitalismo e avançar numa direção socialista.

A Esquerda Comunista (seção espanhola da Oposição de Esquerda Internacional, liderada por Trotsky) reconheceu a popularidade da República e saudou as suas reformas democráticas, mas salientou que o caráter de classe do Estado não tinha mudado e, portanto, as esperanças do 14 de Abril seriam frustradas. A revolução de fato apenas foi iniciada: só poderia ser concluída com a conquista do poder pelo proletariado. Os acontecimentos provaram que tinham razão, pois em questão de poucos meses a República frustrou as expectativas dos trabalhadores e do campesinato pobre.

Os anarquistas, no entanto, ficaram completamente perdidos durante os acontecimentos de 1931. Ficaram inebriados com a euforia popular pela República e saudaram-na com entusiasmo. Na sua linguagem prolixa, os anarquistas referiram-se a uma “nova era”, a um “impressionante salto de liberdade” e afirmaram que “muitos séculos de desenvolvimento social e político foram condensados na Revolução de 14 de Abril”. Acrescentaram a ressalva de que “não se tinham tornado republicanos”. Mas isso foi, na verdade, apenas um sinal para amenizar a sua má-fé, em vez de uma expressão de compreensão dos acontecimentos de 1931. A simpatia anarquista pelo novo regime, como reconheceu o órgão de imprensa da CNT, beneficiou os republicanos pequeno-burgueses nas eleições.

A tarefa da vanguarda proletária é, precisamente, posicionar-se acima das ilusões reformistas das massas e apontar o caminho a seguir. Os anarquistas consideram a ideia de uma vanguarda como uma tirania conspiratória e burocrática imposta à classe trabalhadora (embora também sejam capazes de um frívolo elitismo). No entanto, para os marxistas, a vanguarda é simplesmente constituída por aqueles que conseguem ver à frente do resto da classe, desenvolvendo perspectivas corretas; “representar o movimento do futuro no movimento do presente”, como disse Engels. Esse é um papel que os anarquistas claramente não desempenharam em 1931.

O caráter de classe do novo regime, no entanto, foi impresso nos cérebros dos anarquistas através dos cassetetes da polícia republicana que reprimiu as greves lideradas pela CNT no verão de 1931. Mais tarde, naquele ano, os anarquistas mudaram para o extremo oposto. Em 1932-33, organizaram uma onda de insurreições dispersas e descoordenadas que foram, invariavelmente, esmagadas. Essas revoltas aventureiras foram encenadas por pequenos grupos de rebeldes. A repressão dizimou o movimento. Entre abril de 1931 e abril de 1932, a CNT perdeu quase metade dos seus membros no seu reduto catalão e sofreu uma divisão paralisante, quando a facção treintista desertou. Os treintistas, liderados por anarquistas moderados como Ángel Pestaña e Joan Peiró, procuravam expandir, gradualmente, a influência dos sindicatos da CNT, respeitando a legalidade republicana e abandonando as táticas aventureiras.

Após a deserção dos treintistas, a ala radical e sectária da CNT passou a predominar. Tendo queimado os dedos com a República, ela amaldiçoou todas as formas de governo e declarou-se indiferente à política partidária oficial. Refletindo sobre o fracasso da República, o órgão de imprensa da FAI comentou em 1933: “Todos os governos, sem exceção, são igualmente maus […] e é nossa missão destruí-los”. Isso facilitou a vitória da direita nas eleições de novembro de 1933, incluindo a ascensão espetacular da CEDA, de extrema-direita. Havia uma desilusão crescente em relação à República por parte dos trabalhadores e camponeses, razão por que a virada anarquista para a esquerda, em 1932-33, refletia um estado de espírito mais generalizado. Mas os anarquistas deram a esse estado de espírito uma expressão imprudente e aventureira. Na verdade, passaram das ilusões do republicanismo burguês diretamente para a súbita proclamação do Comunismo Libertário.

As Alianças Operárias e a Frente Popular

O extremismo anarquista em 1932-33 não só enfraqueceu a CNT, mas também minou o movimento operário espanhol como um todo. A CNT era uma força de massas, mas não era hegemônica, nem mesmo nos seus redutos catalães e andaluzes. Não poderia liderar a revolução sem uma abordagem correta às outras organizações proletárias. Centenas de milhares de trabalhadores pertenciam ao Partido Socialista (PSOE), à sua frente juvenil (JJSS) e à sua plataforma sindical (UGT). Embora tradicionalmente liderado por reformistas, parte do movimento socialista estava se desviando para a esquerda, no contexto tenso da Espanha dos anos 1930. Havia também três organizações comunistas pequenas, embora de rápido crescimento (o partido stalinista PCE, a Esquerda Comunista Trotskista e o eclético Bloco Operário-Camponês, BOC). Além da UGT, os republicanos pequeno-burgueses também tiveram o apoio de setores da classe média de tendência esquerdista, do campesinato e mesmo da classe trabalhadora, e capitalizaram os sentimentos nacionalistas das massas catalãs.

Diante do avanço da reação, a unidade da classe trabalhadora tornou-se necessária. Isso foi expresso nas Alianças de Trabalhadores que surgiram em 1934. Embora inicialmente estabelecidas e dirigidas pelas lideranças do partido, refletiam a busca instintiva por unidade das bases e tinham o potencial para se tornarem verdadeiros órgãos de poder dos trabalhadores, semelhantes aos sovietes, na Revolução Russa. As Alianças ganharam impulso em meados de 1934, quando a ultrarreacionária CEDA estava preparada para entrar no governo de coligação de direita de Lerroux. As Alianças foram criadas por pequenos grupos comunistas como o Bloco Operário-Camponês, mas chegaram a atrair a crescente facção de esquerda do Partido Socialista, cujo líder, Largo Caballero, havia adotado uma retórica revolucionária naqueles meses.

As Alianças ameaçaram organizar uma greve geral insurrecional. Essa ameaça materializou-se no início de outubro de 1934. Os trabalhadores espanhóis temiam uma repetição do que tinha acontecido na Alemanha, Áustria e Itália, onde os fascistas foram autorizados a chegar ao poder sem qualquer resistência séria e depois começaram a esmagar as organizações dos trabalhadores.

Com exceção das Astúrias, a revolta de outubro de 1934 foi prontamente esmagada em todo o país, incluindo as duas maiores cidades, Madrid e Barcelona. Diferentes razões explicam esta derrota. Em Madrid, os socialistas encararam a insurreição como uma tarefa estritamente militar e conspirativa, desconsiderando a sua dimensão política. Em Barcelona, a iniciativa estava nas mãos dos nacionalistas pequeno-burgueses, que se contentaram com uma farsa simbólica, mas não estavam dispostos a lutar seriamente contra o Estado. No entanto, a principal explicação para a derrota foi, sem dúvida, a atitude sectária dos anarquistas.

Desencantados com os socialistas e os nacionalistas catalães de tendência esquerdista, após o seu flerte com a República em 1931, os anarquistas adotaram uma posição sectária e recusaram-se a cooperar com “partidos políticos”. Certamente, os socialistas e os políticos republicanos de esquerda comportaram-se de forma traiçoeira no passado. Eles reprimiram a CNT enquanto estavam no poder em 1931-33. Mas os anarquistas esqueceram o fato de que esses líderes continuaram a desfrutar do apoio das massas. Além disso, o Partido Socialista não era monolítico. A sua facção radical em torno de Largo Caballero, que representava uma grande parte da classe trabalhadora, estava rompendo com o parlamentarismo burguês e adotando a linguagem da revolução. Isso significava, em primeiro lugar, que o desenvolvimento da luta de classes exigia um certo grau de cooperação prática. Em segundo lugar, a única forma da CNT conquistar os trabalhadores socialistas honestos era, precisamente, através da luta conjunta. A greve geral de outubro de 1934 ofereceu uma excelente ocasião para isso. O isolamento sectário, de fato, afastou os trabalhadores socialistas e republicanos da CNT e fortaleceu a mão dos líderes reformistas.

Só nas Astúrias a organização regional da CNT adotou uma postura diferente. Envolveu-se na Aliança dos Trabalhadores e garantiu a unidade necessária para a vitória. O movimento operário asturiano conquistou o poder, manteve o mesmo durante duas semanas e estabeleceu um regime operário democrático. O seu isolamento, no entanto, levou-o à uma derrota sangrenta. Em outras partes da Espanha, os anarquistas sabotaram a insurreição. A CNT catalã apelou aos grevistas para que regressassem ao trabalho, através de uma estação de rádio controlada pelo exército espanhol. Posteriormente, explicaram a derrota, porque “a força mais importante e combativa da Catalunha [ou seja, a CNT] não entrou na luta”.

Seguiu-se uma repressão feroz. Em meados de 1935, 40 mil trabalhadores foram presos em toda a Espanha, incluindo numerosos anarquistas. É evidente que nem todas as formas de governo são igualmente más. De ressaca dos seus excessos sectários, no inverno de 1935-36, a CNT desviou-se para a direita, em direção a uma nova entente com os republicanos pequeno-burgueses. Uma Frente Popular foi criada em janeiro de 1936. Ao contrário das Alianças Operárias de 1934, essa não era uma frente única de organizações de trabalhadores para a luta prática, mas uma coligação eleitoral que incluía liberais e republicanos de centro-esquerda. As reivindicações substanciais dos trabalhadores e dos camponeses foram evitadas em nome da “unidade antifascista”. A Frente Popular tinha, portanto, um programa ligeiramente reformista, que se centrava na restauração dos direitos civis.

A CNT, que tinha denunciado as Alianças Operárias, apelava agora, tacitamente, aos seus seguidores, para que votassem na Frente Popular. Geralmente, mostraram-se mais amigáveis com os republicanos pequeno-burgueses do que com os socialistas ou os comunistas. Isso aconteceu, simplesmente, porque esses últimos desafiaram a hegemonia da CNT sobre o movimento operário, enquanto os republicanos se contentavam com uma divisão tácita do trabalho com os anarquistas: eles dominariam as urnas, e a CNT, os sindicatos.

A CNT e a FAI ziguezaguearam de uma posição pró-republicana em 1931, ao sectarismo agressivo e ao blanquismo em 1932-35, e a uma nova lua de mel com os republicanos em 1936. A explicação para estas reviravoltas é o impressionismo dos anarquistas, o que, por sua vez, está enraizado na sua falta de perspectivas e de compreensão da luta de classes. Eles responderam empiricamente aos acontecimentos, através de um constante improviso, e compensavam os seus erros indo na direção oposta.

A falta de perspectivas dos anarquistas tem um significado filosófico mais profundo. O anarquismo é uma doutrina idealista, apesar do jargão materialista dos seus teóricos. Começam com uma série de princípios inegociáveis e a-históricos: contra toda autoridade e tirania, contra todas as formas de governo, contra os partidos políticos, contra a centralização, contra todas as vanguardas, pela espontaneidade, pela ação direta, pelo federalismo, pela liberdade absoluta, pela igualdade absoluta. Eles tentam inserir esses princípios na luta de classes. Mas a vida não cede aos ultimatos dos panfletários anarquistas. Isso é, precisamente, o que idealismo significa: impor os seus princípios à realidade; em vez de derivar a sua política da própria vida, desvendando as suas contradições e processos através da análise científica, que é o que o materialismo marxista faz. O marxismo é a teoria da previsão, o anarquismo é a teoria do espanto, como revelam os acontecimentos de 1931-36.

Uma prova do poder da teoria marxista é o fato de os comunistas espanhóis terem previsto as traições dos anarquistas anos antes essas acontecerem. Em 1928, o marxista espanhol Joaquín Maurín, envolvido em uma polêmica com o líder da CNT Joan Peiró, observou:

“O próprio Peiró nos diz: ‘E o anarquismo espanhol fez ainda mais. Consciente de que a força revolucionária do país está nas suas mãos, tendo a noção clara de que as soluções [para os problemas do país] não poderiam de forma alguma ser anarquistas, o anarquismo colocou a sua força a serviço dos setores de esquerda [isto é, os republicanos pequeno-burgueses].’ O que é isto senão a plena confissão da impotência anarquista? De modo que, no momento em que o poder revolucionário está ao alcance da mão, ele seja transmitido aos partidos burgueses de esquerda! Nunca um anarquista proferiu uma condenação mais definitiva e mais categórica de sua doutrina. O que está sendo dito aqui é que o anarquismo não é revolucionário. Se, quando chegar a hora da revolução, o anarquismo tiver que entregar os seus exércitos aos líderes burgueses, isso significa que é completamente impotente… Os anarquistas condenam a política. Eles não querem saber nada sobre ela. Mas um dia será necessário colocar toda a carne na grelha, o futuro do movimento operário estará em jogo, e então os anarquistas, por mais antipolíticos que sejam, oferecer-se-ão de corpo e alma à esquerda burguesa.” (em L’Opinió, 7/7/1928)

Foi exatamente isso que aconteceu em 1936, quando as coisas se puseram difíceis.

Julho de 1936 e a questão do poder

A Frente Popular era um grupo reformista. Após a sua vitória, no entanto, as lutas dos trabalhadores atingiram uma intensidade sem precedentes. Isso convenceu a classe dominante de que a República não poderia conter os trabalhadores e proporcionou um impulso decisivo ao desenvolvimento de um movimento fascista na Espanha. Em 18 de Julho de 1936, generais de direita, liderados por Franco, Mola e Sanjurjo, organizaram um golpe de Estado que foi detido na maior parte do país por uma revolta revolucionária da classe trabalhadora. Essa rebelião foi semi-espontânea. A CNT e outras organizações de trabalhadores já se haviam preparado para resistir a um golpe potencial. A resposta dos trabalhadores ao golpe foi tão decisiva que arrastou amplos setores do campesinato, das classes médias, e até mesmo parte dos soldados e da polícia.

A luta contra os fascistas não foi uma simples tentativa de defender o Estado constitucional, também continha um teor revolucionário. Os trabalhadores lutaram contra o golpe, não para salvar a desacreditada Segunda República, mas para construir um novo mundo. Na verdade, 18 a 19 de julho marcou o início da maior experiência revolucionária na Europa desde 1917. Os trabalhadores armaram-se e estabeleceram milícias. Eles derrotaram o exército burguês. Eles formaram comitês de barricadas e patrulhas para controlar seus bairros. Expropriaram fábricas e estabeleceram o controle dos trabalhadores sobre a produção e a distribuição. No campo, o campesinato sem-terra assumiu o controle das propriedades e constituiu coletivos.

A Segunda República burguesa estava em estado de absoluta desordem, privada do seu monopólio da violência. Ficou suspensa no ar. Isto foi além do duplo poder: o poder dos trabalhadores estava implícito na situação, especialmente em Barcelona. A tarefa da revolução era simplesmente formalizar este estado de coisas, removendo os restos do antigo aparelho de Estado e centralizando e institucionalizando os comitês e milícias como uma nova autoridade. Esse novo poder travaria uma guerra revolucionária contra Franco, cujo golpe de Estado triunfara no oeste da Espanha. Na verdade, a guerra revolucionária baseada no poder dos trabalhadores era a única forma eficaz de combater o fascismo, entusiasmando os oprimidos e os explorados e tirando partido das contradições de classe no campo franquista. O poder dos trabalhadores na Catalunha teria se espalhado para outros redutos antifascistas, como Madrid e Astúrias, galvanizando, não apenas os anarquistas, mas também as tendências de esquerda no movimento socialista. Contudo, havia um sério obstáculo para isso: a liderança anarquista sobre a revolução.

A CNT e a FAI lideraram a luta contra o golpe de Estado em muitas localidades. Eles emergiram dos combates como os donos da situação, especialmente na Catalunha. O próprio presidente catalão, Lluís Companys, chamou os líderes da CNT ao seu gabinete e ofereceu-lhes o poder. Ele teria dito a eles:

“Hoje vocês são os donos da cidade e da Catalunha… Vocês conquistaram tudo e tudo está em seu poder. Se não precisam de mim ou não me querem como Presidente da Catalunha… tornar-me-ei apenas mais um soldado na luta contra o fascismo.”

Uma reunião plenária da CNT catalã discutiu a questão do poder em 21 de julho. Aliás, a responsabilidade que recaiu sobre os delegados na assembleia revela a importância crítica da liderança durante os eventos revolucionários, o que os anarquistas negam. Não foi lavrada ata da reunião, mas os relatos dos participantes permitem reconstituir o debate. O anarquista “falcão” Juan García Oliver e um pequeno grupo de seguidores pediram a imposição de uma “ditadura anarquista”. A maioria da organização, no entanto, votou a favor da colaboração com os remanescentes do Estado republicano, que consideravam impotentes e em grande parte irrelevantes. Eles naturalmente justificaram esta decisão com base no antiestatismo anarquista. “Que contradição!”, recordou um participante na assembleia, “o comunismo libertário não poderia ser imposto! A ditadura era a antítese do libertarianismo!”

Nunca consideraram que um governo revolucionário pudesse se basear na democracia operária, que os múltiplos órgãos de poder criados em julho de 1936 (comitês de barricadas, milícias, patrulhas de controle, conselhos de fábrica, coletivos camponeses, etc.) pudessem receber uma expressão centralizada que refletisse a diversidade das tendências políticas da classe trabalhadora, mas onde a CNT seria provavelmente a força dominante. Esse governo seria “ditatorial” contra a classe dominante e a contrarrevolução, mas estaria baseado nas amplas massas populares; seria uma democracia proletária.

Foi isto o que os bolcheviques fizeram em Outubro de 1917: estabeleceram um governo baseado nos sovietes – os órgãos do poder dos trabalhadores. Não se propuseram a banir outros partidos de esquerda (isso aconteceu mais tarde, no calor da guerra civil, quando esses partidos pegaram em armas contra a República Soviética). Pelo contrário, formaram uma coligação com os socialistas-revolucionários de esquerda, que só ruiu após o tratado de Brest-Litovsk, ou seja, sob extrema pressão externa. Mas os líderes dos anarquistas espanhóis de 1936 (pois a CNT e a FAI tinham líderes, apesar de todos os protestos em contrário) tinham uma compreensão tão simplista do poder que essa possibilidade nunca lhes passou pela cabeça.

A CNT e a FAI sentiram-se confiantes com a decisão de colaborar com a República porque, raciocinaram, o Estado estava muito fraco em julho de 1936, e eles eram fortes. Mas essa situação não poderia durar. Uma revolução e uma guerra civil necessitam de autoridade centralizada para reorganizar a produção e, mais importante ainda, para combater a reação. Os vários comitês e milícias do verão de 1936 não estavam à altura dessa tarefa, precisamente porque estavam demasiado dispersos e careciam de uma coordenação unificada. Isso levantou inúmeros problemas militares e econômicos. No calor dos acontecimentos, alguns anarquistas compreenderam isso. Nas palavras do anarquista madrilenho Eduardo de Guzmán:

“Para se fazer uma revolução, o poder deve ser tomado. Se a CNT o tivesse feito na Catalunha, teria ajudado, e não prejudicado, a nossa posição minoritária em Madrid. Mas eles acreditavam que bastava ter saído às ruas, ter apreendido manusear armas. Ignoraram completamente a importância do aparelho de Estado, que, com ou sem armas, tem um peso muito grande.”

Para apaziguar as massas revolucionárias, Companys criou um Comitê Central de Milícias Antifascistas, mas essa foi uma instituição de curta duração, logo desmantelada em setembro de 1936, quando a República recuperou forças. O Comitê Central de Milícias Antifascistas tinha uma maioria anarco-sindicalista, mas nele estavam presentes todas as forças políticas republicanas, não apenas representantes da classe trabalhadora. Em vez de substituir o governo burguês catalão, o Comitê ficou ao seu lado, em um acordo desconfortável de partilha de poder. Isso não poderia durar. Uma situação de duplo poder nunca pode ser prolongada no tempo. Tem que ser resolvida a favor dos trabalhadores ou da classe dominante. Passo a passo, no período entre 19 de julho de 1936, quando os trabalhadores detinham praticamente todo o poder, até maio de 1937, o Estado burguês foi reconstruído e todos os elementos do poder dos trabalhadores destruídos.

O Decreto para a Militarização das Milícias, de 28 de outubro, foi um importante ponto de virada na ressurreição do Estado republicano burguês. Sob o argumento de combater a desorganização e de centralizar todos os esforços de guerra, na realidade o Decreto colocou as milícias (submissas ao controle das organizações operárias e revolucionárias) sob a disciplina do Estado Republicano (capitalista).

A maioria dos líderes anarquistas aceitou o argumento, incapazes de oferecer uma alternativa. Mas havia uma alternativa, a da centralização das milícias sob o controle das organizações da classe trabalhadora através de comitês de delegados eleitos. Em vez de se submeter a um Estado capitalista centralizado, a alternativa era criar um Estado operário centralizado. O líder anarquista Durruti se opôs frontalmente ao decreto de militarização. Em 1º de novembro, o Comitê de Guerra da sua coluna na frente de Aragão emitiu a seguinte declaração ao governo da Generalitat:

“Esta Coluna, formada espontaneamente no calor daquele protesto nas ruas de Barcelona e posteriormente fortalecida por todos aqueles que se sentiram unidos ao nosso ideal, tem unidade no seu conjunto e objetivos, e os seus indivíduos são disciplinados em tudo o que tende a alcançar o seu objetivo de derrotar o fascismo. […] Os milicianos desta Coluna têm confiança em si mesmos e em nós que a lideramos, por sua delegação expressa, sem reservas. […] Por todas as razões acima expostas, esta Comissão, fazendo eco ao clamor de protesto levantado na Coluna contra o referido Decreto, vê-se obrigada a não admiti-lo.”

O decreto de militarização, além de colocar as milícias sob a autoridade do governo republicano, reintroduziu graus no Exército e no Código de Disciplina Militar, bem como iniciou o processo de remoção das mulheres milicianas dos combates na linha de frente.

O outono e o inverno de 1936-37 assistiram à rápida reconstrução da legalidade republicana e, mais importante, das instituições repressivas do antigo Estado. Com efeito, essa foi uma contrarrevolução democrática dentro do campo antifascista. Diante da metástase da República, os anarquistas decidiram entrar no governo, primeiro na Catalunha, em setembro, e depois, em 4 de novembro, assumiram quatro pastas no gabinete de Largo Caballero.

No entanto, em vez de reverter o equilíbrio de forças para as condições de julho, cobriram o flanco esquerdo da República burguesa e ajudaram na sua reconstrução como um aparelho de Estado capitalista. Em seu órgão de imprensa, ofereceram a seguinte justificativa para sua entrada no governo:

“A entrada da CNT no governo central é um dos acontecimentos mais importantes da história do nosso país. A CNT sempre foi, por princípio e convicção, anti-Estado e inimiga de todas as formas de governo. Mas as circunstâncias, muitas vezes superiores à vontade humana, embora moldadas por ela, transformaram a natureza do governo e do Estado espanhóis. […] O governo deixou de ser uma força de opressão contra a classe trabalhadora, assim como o Estado deixou de ser a entidade que divide a sociedade em classes. Ambos deixarão de oprimir ainda mais o povo com a inclusão da CNT entre seus órgãos”.

Como observou o historiador Pierre Broué, “os líderes anarquistas adotaram a linguagem dos social-democratas mais reformistas” (e não apenas a linguagem, na verdade). Mais uma vez, a partir de uma posição de oposição à tomada do poder pela classe trabalhadora com base em preconceitos antipolíticos, agora os líderes anarquistas justificavam a sua entrada em um governo capitalista argumentando que o Estado tinha perdido o seu caráter de classe!

Os líderes anarquistas não só revelaram a sua falência como força revolucionária: eles também se tornaram agentes ativos da colaboração de classes. Impulsionados ao poder por uma revolução proletária, recusaram-se a tomá-lo e, consequentemente, deixaram um vazio que foi inevitavelmente preenchido pelos representantes de outras classes, nomeadamente a pequena burguesia retratada pelos partidos republicanos e apoiada por seus aliados stalinistas e social-democratas. Em consonância com a sua decisão de manter a República, os anarquistas juntaram-se ao governo e ajudaram-no a recuperar a sua autoridade manchada perante as massas revolucionárias.

Em dezembro de 1936, os stalinistas sentiram-se suficientemente fortes (apoiados pela ajuda militar soviética à República, seguindo a sua revisionista “teoria das duas etapas”) para forçar a expulsão do POUM da Generalitat Catalã. Joan Comorera, o líder do recentemente formado PSUC stalinista (o ramo catalão do PCE), tornou-se o Conselheiro para o Abastecimento e, nesta qualidade, iniciou um ataque contra as coletivizações, a expressão do controle dos trabalhadores nas fábricas. A imprensa da CNT estava sendo censurada pelo próprio governo do qual fazia parte.

A classe trabalhadora, no entanto, não aceitou passivamente esta contrarrevolução. Ela estava cada vez mais inquieta à medida que via o seu próprio poder, estabelecido com sangue em 19 de julho, escapar-lhe das mãos. Várias organizações anarco-sindicalistas, sob pressão das suas fileiras, estavam sendo conquistadas para uma posição oposicionista. Isso incluiu a Juventude Libertária (JJLL), a organização local da FAI em Barcelona, bem como os recém-criados Amigos de Durruti.

Após vários confrontos e protestos, a situação chegou ao auge em Barcelona no início de maio de 1937. A tentativa da polícia republicana de apreender a central telefônica controlada pela CNT no dia 3 de maio desencadeou uma insurreição espontânea da classe trabalhadora. Em 4 de maio, os rebeldes dominavam nove décimos da cidade. No entanto, essa revolta não teve liderança. Os grupos dissidentes anarquistas e marxistas eram demasiado pequenos para fornecer a orientação necessária. “O nosso sangue ferveu”, recordou o operário têxtil da CNT, Josep Costa. “Tínhamos Barcelona cercada; precisávamos apenas da palavra e teríamos eliminado os conspiradores comunistas [ou seja, stalinistas] e seus despossuídos e intrigantes lacaios pequeno-burgueses que estavam sabotando a revolução.”

A CNT apelou aos trabalhadores para abandonarem as barricadas. Os ministros da CNT viajaram para Barcelona para tentar apaziguar os rebeldes. O ministro anarquista da Justiça, García Oliver, implorou: “devemos pôr fim a esta luta fratricida. […] O governo tomará as medidas necessárias”. Eles chegaram a um pacto com seus outros aliados do governo para neutralizar o levante. Naturalmente, uma vez desarmados os insurgentes, a República traiu todas as suas promessas. Um exército de 5.000 Guardas de Assalto foi mobilizado em Barcelona. Os comunistas dissidentes do POUM foram banidos após esses acontecimentos e o seu líder, Andreu Nin, foi sequestrado, torturado e executado. As prisões de Barcelona estavam cheias de revolucionários. Os ministros da CNT não tiveram alternativa senão renunciar. O gabinete foi reorganizado sob o comando do socialista de direita Juan Negrín, que começou a lutar a Guerra Civil com base na democracia burguesa, abandonando o jargão esquerdista de Largo Caballero e reprimindo os demais órgãos do poder dos trabalhadores e restaurando a propriedade privada.

A CNT e a FAI foram então excluídas do governo, mas continuaram a colaborar com a República até o amargo fim. Em abril de 1938, a CNT-FAI reingressou no governo, assumindo uma pasta no gabinete de Juan Negrín. Ambas as organizações foram burocratizadas e uma “ditadura anarquista” interna foi estabelecida pela sua liderança degradada. Nas palavras do historiador Chris Ealham, “defendendo um discurso de controle e ‘responsabilidade’ a partir de cima, a liderança [CNT/FAI] baseou-se na censura burocrática para intimidar os oposicionistas”. Anarquistas dissidentes foram expurgados. A CNT coroou a sua marcha desonrosa ao ajudar o golpe de Estado derrotista do General Casado em março de 1939, que cedeu aos fascistas o considerável território que ainda estava sob controle republicano (desde Madrid até Valência e Almería), pondo fim à Guerra Civil e inaugurando quase quatro décadas de regime ditatorial.

Nas fileiras da CNT estavam alguns dos mais corajosos combatentes da classe trabalhadora espanhola e catalã. Na verdade, muitos dos seus líderes também eram revolucionários dedicados e com um passado heroico. Juan García Oliver, por exemplo, que se tornou Ministro da Justiça no governo de Largo Caballero e ajudou a apaziguar a insurreição em maio de 1937, foi um importante organizador sindical, um inimigo intransigente do reformismo e um guerrilheiro anarquista temido e perseguido pelas autoridades e pelos ricos. Em 1932-34, ele se tornou o principal representante da vertente insurrecional e antirrepublicana do anarquismo. Ajudou a preparar a resistência ao golpe iminente de Franco no início de julho de 1936. A sua evolução reformista em 1936-37 resultou, não da falta de sinceridade pessoal, mas da política anarquista equivocada da CNT e dos líderes da FAI. A sua degeneração moral foi consequência da sua falência política, e não o contrário.

Contudo, a CNT também produziu líderes que resistiram à tendência reformista do movimento. Como disse Trotsky, havia de fato apenas dois campos na Espanha antifascista em 1936: o menchevique e o bolchevique. Nesse último, a figura mais importante foi, sem dúvida, Buenaventura Durruti. Imigrante de León, também se destacou na década de 1920 como militante sindical em Barcelona e como guerrilheiro itinerante na Espanha e no exílio na Europa e nas Américas. Ele foi um colaborador próximo de Oliver e uma figura orientadora do grupo Nosotros. Ao contrário de Oliver, porém, após a eclosão da revolução em julho de 1936, ele evitou o jogo político em Barcelona. Em vez disso, organizou milícias operárias e lançou-se na luta antifascista em Aragão, travando uma guerra revolucionária contra os fascistas. A sua Coluna Durruti era conhecida por sua disciplina e moral elevadas, baseadas, não na compulsão, mas no compromisso político consciente.

Durruti nunca foi um teórico, mas um homem de ação. No entanto, ele estava em contato estreito com as massas proletárias, refletindo e articulando os seus instintos e pensamentos. A deterioração do front perto de Madrid, no outono de 1936, empurrou a Coluna Durruti para o sul. Durante uma escala em Barcelona, na noite de 4 de novembro, dia em que os anarco ministros (como ficaram conhecidos) se juntaram ao governo republicano em Madrid, dirigiu-se às massas da classe trabalhadora através de um discurso radiofônico. Nesse ato ele criticou os privilégios dos burocratas e dos políticos, exigiu uma ditadura econômica na retaguarda, para que todos os recursos fossem redirecionados para o front e opôs-se abertamente ao decreto de militarização:

“A guerra que travamos neste momento serve para esmagar o inimigo no front, mas será esse o único inimigo? Não. O inimigo é também aquele que se opõe às conquistas revolucionárias e que está no nosso meio, e a quem também esmagaremos.”

Durruti, com base na sua própria experiência, tirou conclusões avançadas no sentido da necessidade de uma ditadura do proletariado. O discurso foi censurado e diluído pela imprensa republicana e até pelos jornais anarquistas.

Em novembro, ele e os seus homens lutaram heroicamente na batalha por Madrid, que foi travada com métodos revolucionários. Os fascistas foram detidos às portas da cidade, revelando, tal como durante as vitórias de julho, a estreita ligação entre a guerra antifascista e a revolução. Infelizmente, Durruti foi morto nos arredores de Madrid, no dia 20 de novembro, em circunstâncias misteriosas (provavelmente por fogo amigo). Só podemos especular sobre que posição Durruti poderia ter assumido se tivesse vivido mais tempo, mas ele não teria encarado com leviandade a degeneração reformista da CNT.

Seguindo o exemplo de Durruti, elementos dissidentes da CNT formaram o grupo Amigos de Durruti em março de 1937. Procuraram combater a adaptação da CNT à República burguesa. “A guerra e a Revolução são dois aspectos que não podem estar divorciados. Em qualquer caso, não podemos aceitar que a Revolução seja adiada para o fim do conflito militar”, afirmaram. Em vez da colaboração de classe com a República burguesa, apelaram à criação de uma junta revolucionária de sindicatos (CNT e UGT), ou seja, de um governo operário. Essa posição era, no todo, correta – mas era uma rejeição radical da ideologia anarquista e um reconhecimento implícito da correção do marxismo. Embora o grupo tenha se expandido rapidamente, era demasiado pequeno e inexperiente para desempenhar um papel decisivo nos acontecimentos de maio de 1937, após os quais foi reprimido e disperso.

Durruti ajudou a libertar o leste de Aragão no verão de 1936 através da guerra revolucionária. As milícias promoveram a expropriação dos latifundiários e a coletivização nas áreas libertadas. Em outubro, Durruti ajudou a estabelecer o Conselho de Defesa de Aragão, que, em essência, era um governo revolucionário de trabalhadores, camponeses pobres e milicianos. Durruti queria replicar essa experiência em toda a Espanha antifascista com um Conselho de Defesa Nacional. Os anarquistas rejeitaram o termo “Estado”, mas o Conselho de Aragão exerceu um monopólio centralizado da violência: reprimiu os inimigos de classe, coordenou e defendeu a economia coletivizada, liderou o esforço de guerra e tomou decisões importantes. O que é isso, senão um “Estado”, embora servindo, não aos ricos e aos poderosos, mas aos pobres e aos oprimidos? Os estatutos do Conselho estabeleciam as suas tarefas:

“O Conselho é responsável por todo o desenvolvimento político, econômico e social de Aragão. É composto pelos departamentos de Justiça, Obras Públicas, Indústria e Comércio, Agricultura, Informação e Propaganda, Transportes e Comunicações, Ordem Pública, Saúde, Educação e Abastecimento. Todos os Departamentos elaborarão um plano, que será estudado e aprovado pelos seus órgãos constituintes, mas, uma vez aprovado, será executado de forma integral e abrangente. Todas as localidades se concentrarão na execução do plano econômico e social.”

O Conselho enfrentou assédio constante por parte da República, incluindo o boicote ao esforço de guerra na frente de Aragão. Embora o Conselho fosse um embrião de um Estado operário, funcionava em uma região rural subpovoada e remota que também foi um teatro ativo de operações na Guerra Civil. Sem se espalhar pelos centros urbanos e industriais da Espanha antifascista, começando por Barcelona, o Conselho estava condenado. Após os acontecimentos de maio de 1937, foi reprimido e dissolvido pelo exército stalinista de Enrique Líster.

O bicho-papão stalinista

Os anarquistas hoje exaltam a CNT e a FAI da década de 1930, desconsiderando ou ignorando os aspectos traiçoeiros da sua política. Uma minoria mais crítica de anarquistas reconhece a traição dos líderes da CNT, mas vê isto como uma série de erros fatídicos que foram consequência das difíceis circunstâncias internas e externas. Os líderes anarquistas espanhóis da época também apontaram “circunstâncias extraordinárias” para justificar as suas traições. Quais foram essas circunstâncias extraordinárias? Revolução e guerra civil. Mas de que vale uma ideologia revolucionária se se revela impotente quando confrontada com a sua razão de ser, com a revolução?

Como disse Trotsky, o anarquismo é como um guarda-chuva cheio de buracos: perfeitamente inútil quando mais precisamos dele. É, de fato, uma ideologia para propaganda em tempos de paz, mas que desmorona sob a pressão dos acontecimentos em tempos de revolução. Como observou o dissidente anarquista e fundador dos Amigos de Durruti, Jaime Balius, em 1937, “faltava à CNT uma teoria revolucionária. Não tínhamos um programa correto. Não sabíamos para onde estávamos indo. Tínhamos muita retórica vazia, mas, em suma, não sabíamos o que fazer com aquelas enormes massas de trabalhadores […] e sem saber o que fazer, entregamos a revolução de bandeja à burguesia.” Muita tinta (demasiada) foi derramada na elaboração dos princípios do movimento nas décadas anteriores. O problema, contudo, não era a preparação teórica anarquista insuficiente. As próprias ideias estavam erradas.

Os anarquistas críticos reconhecem que a CNT cometeu erros graves na Guerra Civil Espanhola. No entanto, costumam replicar que os marxistas também traíram a revolução no passado e apontam para a degeneração stalinista da União Soviética. Isso merece mais atenção. O stalinismo não nega a validade do marxismo, mas, pelo contrário, é uma confirmação negativa do materialismo histórico. O marxismo afirma que o Estado é uma consequência das contradições de classe, que, por sua vez, estão enraizadas na pobreza, na baixa produtividade, na luta por um excedente material limitado. O Estado domina a sociedade como gestor da escassez e árbitro da desigualdade, atenuando as arestas das contradições sociais no interesse da classe dominante, eliminando parte da riqueza social no processo.

A causa material última do stalinismo foi a miséria da Rússia, um país atrasado e camponês devastado por sete anos de guerra internacional e civil, assediado e bloqueado pelos imperialistas. Na verdade, a brutalidade da Guerra Civil Russa e a dura repressão exercida pelos bolcheviques foram moldadas pelo atraso, pelo isolamento e pelo cerco imperialista do país. Essas condições deram um poderoso estímulo às tendências burocráticas no Estado soviético, que usurparam o poder de uma classe trabalhadora exausta e desmoralizada. A burocracia stalinista negou o programa revolucionário e internacionalista de Lenine e, em 1937, liquidou fisicamente o antigo Partido Bolchevique. A ascensão da burocracia, no entanto, não foi mecânica. Foi a consequência de uma década de lutas políticas dentro do Partido Comunista Russo, moldadas, por sua vez, pela derrota da revolução mundial e pelo crescente isolamento da Revolução Russa. Em suma, a única explicação materialista coerente para o estalinismo é a marxista.

Na verdade, a possibilidade teórica da degeneração da Revolução Russa já era reconhecida pelos marxistas russos antes de conquistarem o poder. De fato, já em 1845, Marx e Engels alertavam sobre a possibilidade da degeneração da revolução em condições de miséria e atraso:

“[O] desenvolvimento das forças produtivas […] é uma premissa prática absolutamente necessária porque sem ele a carência apenas se generaliza, e, com a miséria, a luta pelas necessidades e todos os velhos negócios imundos seriam necessariamente reproduzidos.”

A vitória do socialismo na Rússia só seria possível se a revolução se espalhasse para o Ocidente, para os países industriais mais avançados, o que teria ajudado a elevar a produtividade da economia russa e fornecido estímulo político à democracia dos trabalhadores.

O stalinismo representou uma negação do programa bolchevique – embora tenha sido reconhecido pelo marxismo e combatido pelos bolcheviques durante mais de uma década. A traição da CNT espanhola, pelo contrário, não foi prevista pelos anarquistas e estava, de fato, em absoluta harmonia com a sua teoria. O antiestatismo e o antiautoritarismo, o cerne da ideologia anarquista, levaram a CNT a rejeitar o poder em Julho de 1936. Os republicanos pequeno-burgueses e os stalinistas intervieram para preencher a lacuna. A participação anarquista no governo em novembro resultou desse erro inicial. Atualmente, os quatro ministros anarquistas continuam a gerar polêmica entre os anarquistas. Mas, na verdade, o envolvimento da CNT no governo foi, em última análise, inconsequente, e não alterou o curso contrarrevolucionário dos acontecimentos, que foi definido por sua capitulação inicial em julho. Se não tivessem entrado no governo, teriam simplesmente sido atacados mais cedo e de forma mais agressiva.

A única maneira pela qual a contrarrevolução poderia ter sido interrompida seria através de uma política clara para coordenar todos os órgãos existentes do poder dos trabalhadores (milícias, patrulhas de controle, comitês de defesa, comitês de distribuição, etc.) em um estado operário de âmbito nacional com base em representantes eleitos. Isto é, o estabelecimento do poder dos trabalhadores. É claro que isso era um anátema para a maioria dos líderes anarquistas, tanto aqueles que aderiram ao governo como aqueles que se opuseram à decisão.

Os anarquistas de hoje também replicam que os comunistas dissidentes do POUM, não contaminados pelo stalinismo, também traíram a revolução, juntando-se ao governo catalão em setembro de 1936. No entanto, o erro do POUM residiu precisamente no abandono da linha bolchevique que tinham defendido anteriormente. Por outras palavras, a sua falência resultou de uma rejeição dos seus programas e métodos tradicionais e não da sua implementação. Na verdade, a política do POUM durante a Guerra Civil consistiu em pressionar passivamente a CNT e instá-la a tomar o poder. O erro deles, em essência, residiu em terem confiado nos líderes anarquistas.

A controvérsia entre marxistas e anarquistas não se baseia apenas em diferenças teóricas. A própria história colocou ambas as doutrinas à prova. Devemos estudar os acontecimentos passados de forma crítica e honesta e tirar todas as conclusões necessárias para as batalhas de classes que estão sendo preparadas. Uma análise dos acontecimentos na Espanha na década de 1930 revela, na prática, a falência do anarquismo como ideologia revolucionária. Somente o marxismo fornece uma bússola confiável que pode guiar a classe trabalhadora à vitória.

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