As ideias do Manifesto Portuguese Portuguese translation of 150 years of the Communist Manifesto by Alan Woods (November 1997) Esta obra expõe, com uma clareza e uma precisão geniais, a nova concepção do mundo, o materialismo consequente que se estende também ao domínio da vida social , a dialéctica apresentada como a doutrina mais vasta e mais profunda do desenvolvimento, a teoria da luta de classes e do papel revolucionário, histórico, mundial, do proletariado, criador de uma nova sociedade, a sociedade comunista. Lénine (sobre o Manifesto) O Manifesto foi escrito há 150 anos mas, não obstante, o livro que nos ocupa é o documento mais moderno que existe. Encontramos no Manifesto uma análise profunda, que, em muito poucas palavras, explica todos os fenómenos fundamentais da situação actual a nível mundial. O manifesto é, inclusive, mais actual hoje do que quando foi publicado em 1848. Um exemplo apenas: no período em que Marx e Engels o escreviam, o capitalismo dos grandes monopólios encontrava-se muito distante no futuro. Não obstante, explicaram como a "livre empresa" e a concorrência, inevitavelmente, levariam à concentração do capital e à monopolização das forças produtivas. Torna-se, realmente, divertido ler as afirmações dos defensores do capitalismo segundo as quais Marx se enganou nesta questão, quando foi precisamente uma das suas mais brilhantes previsões. Na década de 80 tornou-se moda o lema "small is beautiful", sem entrar em debate sobre a estética do pequeno, do grande ou do mediano ( algo sobre o qual cada um é livre de opinar), é um facto absolutamente indiscutível que o processo de concentração do capital previsto por Marx teve lugar, está a ter e alcançou níveis sem precedentes nos últimos 10 anos. Esta concentração do capital não significa um aumento da produção, antes o contrário. Nos E.U.A., onde se vê o processo de uma forma particularmente clara, 500 grandes monopólios controlavam 92% dos rendimentos em 1994. À escala mundial as mil maiores companhias tinham rendimentos no valor de 8 biliões de dólares, o que equivale a uma terça parte dos rendimentos mundiais. Nos E.U.A., 0.5% dos lares mais ricos possui metade dos activos financeiros em mãos individuais. O 1% mais rico da população americana aumentou a sua percentagem na riqueza nacional de 17,6% em 1978, a uns assombrosos 36,3% em 1989. O processo de centralização e concentração de capital chegou a proporções nunca vistas. O número de aquisições chegou a níveis espantosos em todos os países avançados. Em 1995 superaram-se todos os recordes em fusões e OPAs. O Mitshubishi Bank e o Bank of Tokio realizaram uma fusão, criando o maior banco do mundo. A união do Chase Manhattan e do Chemical Bank criou o maior grupo bancário da América, com activos no valor de 297 mil milhões de dólares. A maior companhia de entretenimento do mundo foi criada com a compra do capital da Cities/ABC por parte da Walt Disney. A Westing House comprou a CBS e a Time Warner comprou a Turner Breadcasting Systems. No sector farmacêutico, Glaxo comprou Wellcome. A aquisição da Scott Papper por parte da Kimberly-Clark criou o maior fabricante do mundo de panos e lenços de papel. Na Grã-Bretanha, Forte, o maior grupo hoteleiro lançou uma OPA agressiva sobre o seu rival, o império do ócio e restaurantes Granada, pela soma de 5.100 milhões de dolares. Estes são dados de 1995, mas há alguns meses atrás, o Independent afirmava que 1997 era o ano das fusões... Em quase todos os casos, não existe a intenção de investir em novas fábricas e maquinaria, mas pelo contrário, encerrar empresas inteiras e despedir trabalhadores, aumentando assim as margens de lucro sem aumentar a produção. Seria muito fácil dar mais cifras que mostram, sem lugar para dúvidas, o processo de concentração de capital definido por Marx e Engels. O Pesadelo do desemprego " Torna-se com isto evidente que a burguesia é incapaz de continuar a ser por muito mais tempo a classe dominante da sociedade e, a impor à sociedade como lei reguladora, as condições de vida da sua classe. Ela é incapaz de dominar porque é incapaz de assegurar ao seu escravo a sua própria existência no quadro da escravidão, porque é obrigada a deixa-lo a afundar-se numa situação em que tem de ser ela a alimentá-lo, em vez de ser alimentada por ele. A sociedade já não pode viver sob a sua dominação, isto é, a sua vida já não é compativel com a sociedade. " (O Manifesto Comunista). Ao contrário das ilusões dos políticos reformistas, o desemprego massivo voltou a estender-se por todo o mundo como uma mancha de azeite. Segundo as estatísticas oficiais da ONU, o desemprego mundial afecta 120 milhões de pessoas. Esta estatística, como todas as estatísticas oficiais do desemprego, representam uma importante infravalorização da autêntica situação. Se incluíssemos o grande número de pessoas que trabalham em sectores marginais, em situação de subemprego, etc., o autêntico valor do desemprego mundial nunca ficaria abaixo dos 850 milhões neste momento. Apenas na Europa Ocidental, segundo as estatísticas oficiais, há cerca de 18 milhões de desempregados, 10,6% da população activa. O indíce em Espanha é estonteante: 23%. Mas, inclusive na Alemanha, a locomotiva da economia europeia, o desemprego há muito que superou os 4 milhões, pela primeira vez desde os anos 30. A imagem do Japão como paraíso do pleno emprego passou à história. Segundo os dados oficiais, há 3% de desemprego. Mas, se se utilizassem os mesmos critérios de cálculo que nos E.U.A., o número seria no mínimo de 8%. Este desemprego não é um desemprego cíclico, sobejamente conhecido pelos trabalhadores no passado, que aumentava numa recessão e desaparecia quando a economia recuperava. Já estamos a entrar no sétimo ano de boom nos E.U.A. e o desemprego mundial não dá mostras de diminuir, ou, pelo menos, de maneira significativa. Todos os dias anunciam-se novas vagas de encerramento de fábricas e de despedimentos. Mais, este desemprego afecta sectores que jamais o tinham sido no passado: professores, enfermeiras, funcionários públicos, bancários, ciêntistas e, até, directores. O ambiente de insegurança generaliza-se a todos os níveis da sociedade. As palavras de Marx e Engels anteriormente citadas são literalmente certas. Em todos os países a burguesia grita: " Há que reduzir o gasto público!". Este é o lema do governo Guterres, mas não só. A ânsia de reduzir os gastos públicos é a característica comum de todos os governos do mundo, sejam de direita ou de "esquerda", sejam do que for. Isto não se deve aos caprichos individuais dos políticos, mas é apenas uma expressão gráfica da crise do capitalismo. No último período -no largo período de auge capitalista desde 1948 a 1973- a burguesia conseguiu, de forma parcial e temporal, superar as duas contradições fundamentais do seu sistema: a propriedade privada e o estado nacional. Isto foi conseguido, por um lado, mediante a aplicação de métodos Keynesianos ( Capitalismo de Estado) e, por outro lado, com a participação no comércio mundial. Mas agora isto acabou: o velho modelo chegou aos seus limites. Socialismo e Internacionalismo Nos últimos anos, os economistas burgueses falam muito do fenómeno de "globalização da economia mundial". Imaginam que descobriram algo de novo. Na prática, foram Marx e Engels que explicaram no Manifesto como o capitalismo se desenrola como um sistema mundial. Hoje em dia, as suas análises são brilhantemente confirmadas. No momento actual ninguém pode negar a dominação asfixiante da economia mundial. Este é o aspecto mais decisivo da época em que vivemos. Esta é a época do mercado mundial, da política mundial, da cultura mundial, da diplomacia mundial e, também, da guerra mundial. Já sofremos duas destas como resultado das crises do capitalismo. A segunda custou 50 milhões de mortos e a quase destruição da Europa. O socialismo é internacional ou não é nada. Mas o internacionalismo proletário não é produto do sentimentalismo. Não é apenas uma "boa ideia". Surge da análise científica de Marx e Engels, que explicaram como a criação do estado nacional, uma das conquistas históricamente progressista da burguesia, conduz inevitavelmente a um sistema de comércio internacional. O tremendo desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo não se pode conter dentro dos estreitos limites do estado nacional e, portanto, todas as potências capitalistas, incluindo as maiores, vêem-se obrigadas a participar cada vez mais no mercado mundial. A contradição entre o enorme potencial das forças produtivas e o asfixiante colete de forças do estado nacional pôs-se em evidência, de uma forma dramática, em 1914 e 1939. Estas convulsões sangrentas demonstram como o sistema capitalista, de um ponto de vista histórico, já tinha esgotado a sua missão progressista. Mas, para levar a cabo, a transformação de um sistema socio- económico a outro superior, não é suficiente que o velho mundo esteja em crise. Por muita crise que exista, também existem poderosos interesses que obtêm os seus rendimentos, privilégios e prestígio das actuais relações de propriedade, e que resistem com unhas e dentes a toda a tentativa de mudar a sociedade. Por isso Marx e Engels não escreveram um documento abstracto, mas um Manifesto, um apelo à acção e não um livro de prateleira; à criação de um partido revolucionário e não um clube de discução. Para derrubar o capitalismo é necessário que os trabalhadores se organizem como classe em defesa dos seus interesses. Durante muitas décadas, os operários de todos os países, mas sobretudo dos países avançados, criaram poderosos partidos e sindicatos. Mas estas organizações não existem no vazio. Estão submetidas às pressões do capitalismo, que pesam especialmente sobre as direcções. Os dois obstáculos fundamentais que impedem o desenvolvimento das forças produtivas na época actual são a propriedade privada e o estado nacional. Um novo avanço da civilização humana exige a eliminação destes obstáculos e a planificação racional, científica e democrática à escala mundial. A bancarrota do nacionalismo em geral e daquela monstruosidade do " socialismo num só país" em particular, ficou patente com o colapso do estalinismo e, mesmo antes, com a participação das burocracias russa e chinesa no mercado mundial. Todos os países de África, da América Latina e da Ásia que ganharam a sua independência quando o imperialismo perdeu o controlo directo sobre eles, vêem-se agora subordinados aos seus velhos amos mediante os mecanismo do comércio mundial que os ata de pés e mãos. O livre desenvolvimento das forças produtivas exige a unificação das economias de todos os países num plano comum que permita a exploração harmoniosa dos recursos do planeta em benefício de todos. Isto é tão evidente que inclusive o reconhecem cientistas que nada têm a ver com o socialismo, mas estão indignados com o pesadelo em que vivem 2/3 da humanidade e preocupados com a destruição do meio ambiente. Mas as suas recomendações bem intencionadas caem em saco roto, pois chocam com os interesses das multinacionais, que dominam a economia mundial e cujos cálculos não estão baseados no bem estar da humanidade ou no futuro do planeta, mas exclusivamente na avareza e na busca de lucros a qualquer preço. Na última década do século XX, quando se fala tanto de "globalização", as contradições nacionais são mais fortes que nunca. Há dez anos, os E.U.A. só exportavam 6% do PIB. Agora a cifra é de 13% e têm planos para aumentá-la até aos 20% para o ano 2000. Isto é uma declaração de guerra comercial contra o resto do mundo, a começar pelo Japão. De facto, as tensões entre os E.U.A. e o Japão já chegaram um tal extremo que, noutra altura, já teriam provocado uma guerra. Mas a existência de armas nucleares significa que uma guerra entre superpotências está descartada. Uma saída como 1914 e 1939, pelo menos por agora, é impossível. Na ausência de uma solução externa, as contradições internas tendem a agravar-se cada vez mais. A classe dominante não vê outra opção senão pôr todo o peso da crise sobre as costas da classe trabalhadora. Os autores do Manifesto, com incrivel clarividência, anteciparam a situação que padece actualmente a classe trabalhadora em todos os países quando escreveram: "O trabalho dos proletários perdeu, com a expansão da maquinaria e a divisão do trabalho, todo o carácter autónomo e, portanto, todos os atractivos para os operários. Ele torna-se um mero acessório da máquina ao qual se exige apenas o manejo mais simples, mais monótono, mais simples de aprender. Os custos que o operário ocasiona reduzem-se por isso quase só aos meios de subsistência de que carece para o seu sustento e para a reprodução da sua raça. O preço de uma mercadoria, e protanto também do trabalho, é, porém, igual ao seu custo de produção. Na medida em que aumenta a repugnância causada pelo trabalho decresce portanto o salário. Mais ainda: na medida em que crescem a maquinaria e a divisão do trabalho, cresce também a quantidade do trabalho, seja pelo aumento das horas de trabalho seja pelo aumento do trabalho exigido num dado lapso de tempo, pelo funcionamento acelarado das máquinas, etc." Os E.U.A. ocupam hoje o mesmo lugar que nos tempos de Marx e Engels ocupava a Grã-Bretanha: o país capitalista mais desenvolvido. É por isso que as tendências gerais do capitalismo se expressam aí de uma maneira mais nítida. Nos últimos 20 anos deu-se uma queda de 20% nos salários reais dos trabalhadores americanos, acompanhado de um aumento de 10% na jornada laboral. Assim, o auge económico do último período foi acompanhado e em grande parte consequência, de um enorme aumento da exploração doe trabalhadores. O operário Americano trabalha uma média de 168 horas extraordinárias por ano, o que corresponde a quase um mês de trabalho adicional. Este é, em especial, o caso da indústria automóvel, na qual a jornada de 9 horas 6 dias por semana é a norma (de facto, se neste sector se limitasse a 40 horas semanais a jornada de trabalho, criar-se-iam 60.000 postos de trabalho). As enormes pressões provocadas pelo aumento das horas de trabalho, a queda dos rendimentos reais, o aumento do ritmo, etc, têm tido sérios efeitos sobre a qualidade de vida das famílias operárias. Nos E.U.A., da mesma forma que noutros países, a taxa de natalidade caiu, passando de uma média de 2,5 filhos por família nos anos 60, a 1.8 no final dos anos 80. Mesmo a esperança de vida, que havia aumentado até 1980, estagnou. A mesma situação existe na Grã-Bretanha, onde se destruiram 2 milhões e meio de postos de trabalho no sector industrial na década de 1980 e, não obstante, manteve-se o mesmo nível de produção de 1979. Isto foi conseguido não graças à introdução de nova maquinaria, mas mediante a sobreexploração dos operários britânicos. Em 1994 perderam-se 175 milhões de jornadas de trabalho por baixa médica na Grã-Bretanha, quase 8 dias de trabalho por trabalhador. O número de receitas médicas aumentou em 11.7 milhões no ano passado. O stress, o tráfego congestionado e a poluição estão a matar os condutores profissionais britânicos declara o "Record", o jornal do sindicato dos transportes TGWU. Em Portugal, segundo o Instituto de Desenvolvimento e Inspecções das Condições de Trabalho, os acidentes laborais custam 600 milhões de contos por ano, referindo este organismo que os dados estão subavaliados pelo "deficiente sistema de comunicações", "não estando contabilizados neste número -600 milhões- os danos em equipamento e produtividade. Poder-se-iam dar exemplos similares de qualquer outro país capitalista. O método de Marx As assombrosas previsões do Manifesto não são uma casualidade. Devem-se ao método ciêntifico do marxismo -o materialismo dialéctico ou, na sua concreta aplicação à história, o materialismo histórico-. As bases da teoria marxista da história já estavam assentes em obras anteriores como A Sagrada Família e A Ideologia alemã. É necessário recordar que o socialismo e o comunismo não começaram com Marx e Engels. Existiram grandes pensadores que antes deles defenderam a ideia de uma sociedade sem classes, baseada na propriedade comum: Robert Owen, Fourier, Saint Simon. Já no século XVI, Tomas More escreveu o seu livro Utopia, descrevendo uma sociedade comunista. Antes inclusive, os primeiros cristãos organizaram-se em comunidades onde a propriedade privada estava radicalmente abolida, como se pode constatar nos Actos dos Apóstolos. Marx e Engels qualificaram todas estas tendências de socialismo utópico, enquanto o que eles defendiam era o socialismo científico. Em que consistia a diferença? Para os utópicos, o socialismo era apenas uma boa ideia, algo moralmente desejável que deveria ser pregado aos homens. Deste ponto de vista, se tivessem tido razão, este sistema social poderia ter sido posto em prática há dois mil anos, com o qual a humanidade poderia ter-se poupado a bastantes incómodos! Pela primeira vez, Marx e Engels explicaram que o socialismo tem uma base material, que consiste no nivel de desnvolvimento das forças produtivas -a indústria, a agricultura, a ciência, a tecnologia-. O materialismo histórico explica como o desenvolvimento histórico se baseia em última instância no desenvolvimento das forças produtivas. Esta afirmação tem sido frequentemente distorcida pelos adversários do marxismo, que asseguram que Marx e Engels "reduzem tudo ao económico". Os autores do Manifesto repetidas vezes contestaram esta caricatura absurda, como se pode ver na célebre carta de Engels a Bloch: "Segundo a concepção materialista da história, o elemento em última instância determinante, na história, é a produção e reprodução da vida real. Nem Marx nem eu alguma vez afirmámos mais. Se agora alguém torce isso afirmando que o elemento económico é o único determinante, transforma aquela proposição numa frase que não diz nada, abstracta, absurda. A situação económica é a base, mas as diversas partes da superestrutura: as formas políticas da luta de classes e as suas consequências, as constituições estabelecidas pela classe vitoriosa depois de ganhar a batalha, etc., as formas jurídicas, e, em consequência, inclusive os reflexos de todas essas lutas reais nos cérebros dos combatentes: teorias políticas, jurídicas, ideias religiosas e o seu desenvolvimento ulterior até se converter num sistema de dogmas, também exercem a sua influência sobre o curso das lutas históricas e em muitos casos preponderam na determinação da sua forma". É evidente que a religião, a política, a moral, a filosofia, etc, jogam um papel no processo histórico. Não obstante, em última instância, o êxito de um sistema sócio-económico depende da sua capacidade de satisfazer as necessidades básicas dos seres humanos. Antes de poderem desenvolver ideias religiosas, políticas ou filosóficas, as pessoas precisam de comer, vestir-se e viver em casas. Desde os primeiros tempos, os homens e mulheres têm tido que lutar para satisfazer estas necessidades e, para a esmagadora maioria da humanidade, esta situação continua. Num determinado momento, surge a divisão social do trabalho, que coincide historicamente com a divisão da sociedade em classes. Isto significa um grande passo em frente pois, pela primeira vez, permite a criação de um excedente social e o surgimento de uma classe que está livre da necessidade de trabalhar, a classe dominante que vive do trabalho dos outros: na Antiguidade, do trabalho dos escravos; depois, sob o Feudalismo, dos servos; e, por último, dos operários assalariados sob o Capitalismo. Apesar de todos os sofrimentos, vexames e injustiças do sistem classista, não obstante, de um ponto de vista marxista, quer dizer, de um ponto de vista científico, e não moralista, tudo isto serviu para levar a socidade para adiante. As conquistas mais brilhantes da ciência, da arte e da filosofia gregas e romanas estavam baseadas no trabalho de escravos, que os romanos designavam como "instrumentum vocale" -"ferramenta com voz" (a autêntica situação do operário moderno não mudou muito)-. O excedente era suficiente para emancipar uma minoria de exploradores, mas não para emancipar a maioria, cuja escravidão era condição prévia para a civilização, que surge do desenvolvimento das forças produtivas. Marx e Engels expicam que uma sociedade pode sobreviver na medida em que desenvolva as forças produtivas e não desaparece até que tenha esgotado todo o potêncial que possui. Neste sentido, um dado sistema sócio-económico pode ser comparado a um organismo vivo. Nasce, cresce, entra na plenitude das suas forças e, depois, chega a um ponto culminante, onde começa a declinar, terminando com a sua morte. Aqui está uma lei maravilhosa que serve para explicar o desenvolvimento não só do capitalismo, mas de toda a sociedade em geral. Pela primeira vez, permite-nos compreender a história não como uma coisa sem sentido, como produto do azar, ou a obra exclusiva de "grandes homens", mas como um processo que tem as suas leis e que pode ser compreendido como qualquer àrea da natureza. Da mesma maneira que Charles Darwin explicou que as espécies não são imutáveis, mas que têm um passado, um presente e um futuro, que mudam e evoluem, Marx e Engels explicam que um sistema sócio-económico não é algo fixo e eterno. Esta é a ilusão de cada época. Cada sistema social crê que é a única forma possível de existência para os seres humanos, que as suas instituições, a sua religião, a sua moral são a última palavra. Assim pensavam os canibais, os sacerdotes egípcios, Maria Antonieta e o Czar Nicolau. Assim pensam os burgueses e os seus apologistas hoje, quando nos asseguram, sem a menor base, que o mal designado sistema de "livre empresa" é o "único possivel", logo no momento em que mete água por todos os lados. Reforma e Revolução Hoje em dia, a ideia de "evolução" foi aceite, pelo menos na consciência das pessoas educadas. As ideias de Darwin, tão revolucionárias no seu tempo, são admitidas quase como um lugar-comum. No entanto, a evolução é entendida como um processo lento e gradual, sem interrupções nem saltos violentos. Em política, argumentos semelhantes empregam-se com frequência para justificar o reformismo. Lamentavelmente, estão baseados num mal-entendido. O autêntico mecanismo da evolução continua a ser a ser um livro fechado a sete chaves para a grande maioria. Isto não é surpreendente, porque o próprio Darwin não o entendeu. Apenas na última década, com as novas descobertas no campo da paleontologia lavadas a cabo por Stephen J. Gould, autor da teoria do equilíbrio interrompido, ficou demonstrado que a evolução não é um processo gradual. Existem longos períodos nos quais não se observam grandes mudanças, mas, num dado momento, a linha da evolução rompe-se por uma explosão, uma verdadeira revolução biológica caracterizada pela extinção de algumas espécies e a rápida ascensão de outras. A investigação mais superficial da história revelará imediatamente a falsidade da interpretação gradualista. A sociedade, tal como a natureza, conhece períodos de mudança lenta e gradual, mas também aqui a linha está interrompida por momentos explosivos, guerras e revoluções, nos quais o processo sofre uma enorme aceleração. De facto, são estes acontecimentos que actuam como a principal força motriz da História. E a causa de fundo destas convulsões é o facto de que um determinado sistema sócio-económico chegou aos seus limites, e já não pode desenvolver as forças produtivas como dantes. "A história de todas as sociedades até aos nossos dias é a história da luta de classes", diz o Manifesto numa das suas frases mais célebres. Mas o que é a luta de classes? É, nem mais nem menos, a luta pela apropriação do excedente produzido pela clase operária. E esta luta será sempre inevitável até que as forças produtivas não alcancem um nível de desenvolvimento que permita a abolição da miséria e escassez de produtos, não só para uma minoria privilegiada, mas para todos. O socialismo, portanto, não é apenas "uma boa ideia" que se pode por em prática em qualquer sitação, sempre e quando se queira. O socialismo tem uma base material, que consiste no nível de desenvolvimento da indústria, da agricultura, da ciência e da tecnologia. Já em A Ideologia alemã, escrito em 1845-46, Marx e Engels explicaram que o socialismo presupõe "um grande incremento da força produtiva, um alto grau do seu desenvolvimento (...) porque sem isso só se generalizaria a escassez e, por tanto, com a pobreza, começaria de novo, a par, a luta pelo indispensável e recair-se-ia necessariamente em toda a porcaria anterior". Com esta afirmação -"toda a porcaria anterior"- Marx e Engels tinham em mente a desigualdade, a exploração, a opressão, a corrupção, a burocracia, o Estado e todos os demais males endémicos da sociedade classista. Hoje, depois da queda do estalinismo na Rússia, os inimigos do socialismo tentam demonstrar que as ideias do marxismo são impossíveis de realizar. Mas esquecem-se do pequeno detalhe de que a Rússia, antes de 1917, era um país bastante mais atrasado que a India de hoje. Lénine e os bolcheviques, que conheciam bastante bem os escritos de Marx, sabiam de sobra que as condições materiais para o socialismo estavam ausentes na Rússia. Mas Lénine jamais teve a ideia de uma revolução nacional, do "socialismo num só país", e muito menos num país atrasado como a Rússia. Lénine e os bolcheviques tomaram o poder em 1917 com a perspectiva de uma revolução mundial. A tomada do poder na Rússia deu um poderoso ímpeto à revolução no resto da Europa, a começar pela Alemanha, na qual poderia ter triunfado não fosse pela cobardia e traição dos dirigentes social-democratas que salvaram o capitalismo. O mundo pagou um preço terrivel por esse críme, com as convulsões económicas e sociais do período entre guerras, o triunfo de Hitler na Alemanha, a guerra civil de Espanha e, finalmente, com os horrores de uma nova guerra mundial. Este não é o lugar adequado para analizar todo o processo que teve lugar depois de 1945. Basta dizer que o capitalismo logrou, durante um tempo, com os métodos anteriormente mencionados, uma relativa estabilidade, pelo menos nos países avançados da Europa Ocidental, Estados Unidos e Japão. Mas, inclusive neste período, as contradições básicas não desapareceram. Para dois terços da humanidade foram anos de fome e miséria, de guerras, de revolução e contra-revolução sem precedentes. Mas, pelo menos nos países industrializados, existia pleno emprego, o "Estado providência" e um aumento do nível de vida. Tudo isto deu força à ideia de que o capitalismo tinha solucionado os seus problemas, que o desemprego era coisa do passado, que a luta de classes já não existia e que o marxismo (claro) estava ultrapassado. Que irónicas soam hoje estas ideias. Com mais de 30 milhões de desempregados no Ocidente e um ataque selvagem ao nível de vida da classe trabalhadora em todos os países: as contradições entre classes agudizam-se cada vez mais. As magníficas mobilizações da classe operária francesa em Dezembro de 95 foram seguidas pela maior manifestação desde a II Guerra Mundial na Alemanha, contra o plano de cortes e austeridade. A marcha branca na Bélgica, as massivas manifestações no estado espanhol contra o terrorismo e por uma solução democrática para a questão nacional basca, as históricas vitórias do Partido Trabalhista na Grã-Bretanha e do bloco PSF-PCF, bem como as recentes greves gerais na Grécia, entre outros, são indicadortes do reacordar da classe operária europeia. Podemos estar seguros que os trabalhadores em Portugal não tardarão a dar uma resposta contundente à política do Governo aplicada pela actual direcção do PS. " O ser social determina a consciência". Esta é outra grande ideia que forma a base do materialismo histórico. Mais cedo ou mais tarde, as condições sociais fazem-se sentir na consciência das pessoas. Mas atenção: a relação entre os processos que se dão na sociedade e a forma em que estes se reflectem na cabeça dos homens e mulheres não é automática nem linear. Se assim fosse, estaríamos a viver em socialismo há muitos anos! Ao contrário do que crêem os idealistas, o pensamento humano em geral não é progresssista, mas profundamente conservador.Em períodos "normais", as pessoas tendem a apegar-se ao conhecido. Preferem crer nas ideias, na moral, nas institiuições, nos partidos e nos dirigentes de toda a vida. Engels disse uma vez que existem períodos na história em que 20 anos passam como um só dia e outros, em que, a história de 20 anos está concentrada em 24 horas. Durante um longo período parece que não muda nada. Não obstante, debaixo da superfície de aparente tranquilidade, acumula-se um enorme descontentamento, indignação, frustação e raiva contida. Num determinado momento isto provoca uma explosão social. Em momentos de crise, as pessoas as pessoas começam a pensar por si próprias, a actuar como homens e mulheres livres, como protagonistas e não como vítimas passivas. Buscam uma causa e uma organização, começam a militar nos seus partidos de massas numa tentativa de mudar a sociedade. Uma parte muito importante do Manifesto que não tem sido suficientemente compreendida é a secção Proletários e Comunistas, onde lemos o seguinte: " Que relação guardam os comunistas com os proletários em geral? Os comunistas não formam um partido aparte, oposto aos outros partidos operários. Não têm interesses próprios que se destingam dos interesses gerais do proletariado. Não proclamam princípios gerais aos que querem moldar o movimento proletário. Os comunistas só se destinguem dos demais partidos proletários em que, por uma parte, nas diferentes lutas nacionais dos proletarios, destacam e fazem valer os interesses comuns a todo o proletariado, independentemente da nacionalidade; e por outra parte, em que, nas diferentes fases de desenvolvimento por que passa a luta entre o proletariado e a burguesia, representam sempre os interesses do movimento no seu conjunto. À hora de agir, os comunistas são, pois, o sector mais decidido dos partidos proletários de todos os países, o sector que sempre impulsiona adiante aos demais; no aspecto teórico, têm sobre o resto do proletariado a vantagem da sua clara visão das condições, da marcha e dos resultados gerais do movimento proletário". Estas linhas têm uma importância transcendental, porque demonstram o método de Marx e Engels, que sempre partiam do autêntico movimento da classe operária, do proletariado tal como é, não como gostaríamos que fosse. Este método está a mil anos luz do sectarismo estéril daqueles grupúsculos revolucionários que existem à margem do movimento operário, sem nenhum ponto de apoio com a realidade. Para um marxista, um partido é, em primeiro lugar, programa, ideias, métodos e tradições, e só depois uma organização para levar estas ideias à classe operária. Ao longo da história, a classe operária cria organizações de massas para defender os seus interesses e mudar a sociedade. Começando com os sindicatos, as organizações básicas da classe, os trabalhadores dão-se conta num dado momento que a luta reivindicativa, por si só é insuficiente. Nas condições actuais, esta conclusão torna-se inevitável. Sem a luta quotidiana para avançar sob o capitalismo, a revolução socialista seria impensável. Através das greves e manifestações, o proletariado organiza-se e começa a adquirir consciência como classe. Mas por cada greve que se ganha, muitas mais acabarão derrotadas. E inclusive quando se consegue, por exemplo, um aumento salarial, este é posteriormente anulado pela inflação. O desemprego, as privatizações, os cortes nos gastos públicos, as leis anti-sindicais: todas estas coisas pertencem à política, e têm de ser combatidas não só nas fábricas com métodos sindicais, mas mediante a organização política. Os sindicatos, os partidos socialistas e os partidos comunistas foram criados pela classe trabalhadora através de gerações de luta e sacrifício. Os operários não abandonam facilmente as suas organizações tradicionais sem submetê-las à prova uma e outra vez. Mas estas organizações operárias não existem no vazio. Estão sob a pressão da classe burguesa, sobretudo as suas direcções, que hoje em dia estão mais divorciadas da classe operária que nunca. Na ausência de uma política marxista firme, tendem a claudicar ante estas pressões. Acomodam-se as ideias da classe dominante, que, como Marx explica, são as ideias dominantes de cada época. Nos períodos em que os trabalhadores não participam activamente nas suas organizações, as pressões das classes alheias multiplicam-se. Está aqui a explicação essencial do giro à direita das direcções dos partidos operários (não só nos socialistas, mas também nos comunistas) no último período. Mas este processo tem os seus limites. O giro à direita, que se expressa em ataques constantes contra o nível de vida em todos os países, está a preparar uma violento giro à esquerda no próximo período. "Cada acção tem uma reacção igual e contrária" e isto não é aplicavel apenas à Física. Toda a história demonstra uma coisa: ninguém pode travar o desejo inconsciente da classe operária em transformar a sociedade. Mas a história também ensina que sem um programa científico, sem uma perspectiva clara, é impossível levar a cabo a transformação socialista. Estas coisas não caem do céu. Também não se podem improvisar quando as massas já estejam na rua. Há que prepará-las de antemão. Há que ganhar e educar quadros marxistas, integrados nas fábricas e nas minas, nos liceus e universidades, nos sindicatos e nos partidos operários. Há que levar a cabo um trabalho revolucionário paciente e persistente, preparando o terreno para os grandes acontecimentos que se avizinham, não só em Portugal, mas também na Europa e em todo o Mundo. Quando Marx e Engels escreveram o Manifesto, eram dois jovens de 29 e 27 anos respectivamente. Era um período da reacção mais negra, em que parecia que a classe operária estava derrotada e imóvel. Os autores do Manifesto estavam no exílio em Bruxelas, como refugiados políticos do regime reaccionário do rei da Prussia. todavia, quando o Manifesto Comunista saiu, pela primeira vez, do prelo em Fevereiro de 1848, a revolução já havia estalado em França e em poucos meses havia-se estendido a toda a Europa. Actualmente, o sistema capitalista está em crise a nível mundial. Deste modo, um só triunfo da classe operária de um qualquer país importante pode ser o sinal de partida de um processo revolucionário que abarcaria não só a Europa, mas o Mundo inteiro.