Joe Biden: o presidente do combustível fóssil

Durante meses, a imprensa burguesa falou sobre os planos climáticos supostamente progressistas de Joe Biden. Uma manchete do New York Times nos diz: “Biden planeja mover-se rapidamente com uma ‘administração climática’”. O artigo continua pintando um quadro brilhante de um visionário “presidente do clima” que muda corajosamente de curso após quatro anos de negação dos problemas climáticos por Trump e de reversões ambientais. Levando a campanha de Biden ao pé da letra, muitos cientistas e ativistas do clima também expressaram a esperança de que este governo seja um passo à frente.

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À primeira vista, sua abordagem do “mal menor” pode parecer senso comum, pelo menos no que diz respeito à crise climática. Considerando que Trump colocou a EPA [Environmental Protection Agency] nas mãos de um negacionista climático profissional, o governo Biden não é um bom caso de redução de danos?

Embora a maioria das pessoas possa não perceber, o governo Obama-Biden presidiu um rápido crescimento da produção de combustíveis fósseis durante cada ano de seus dois mandatos, resultando no maior boom na produção de petróleo da história do país. Assessores climáticos e contatos do setor de energia daquele governo – que passaram a encontrar empregos lucrativos como executivos da indústria de combustíveis fósseis – estão agora sendo recrutados para assessorar a equipe de política climática de Biden. Tudo isso pode ser surpreendente para qualquer um após a elogiosa cobertura da mídia liberal sobre o “Acordo Verde de Biden”!

Da perspectiva da classe dominante, essa é a beleza do sistema bipartidário. Permite-lhes criar a ilusão de “reformas ambiciosas” e “progresso”, ao mesmo tempo em que garante os negócios normais. Este é o programa real de Joe Biden, um homem que ficou feliz em participar de um fórum sobre o clima, em um dia, e de uma arrecadação de fundos patrocinada por executivos de combustíveis fósseis no dia seguinte.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em suas siglas em inglês) emitiu repetidamente relatórios terríveis de cientistas de todo o mundo alertando sobre as consequências catastróficas – para não dizer apocalípticas – que esperam bilhões de pessoas, a menos que haja uma mudança imediata de curso. Especificamente, há uma janela de oportunidade de uma década para parar de queimar combustíveis fósseis e realizar uma transição completa para energia limpa em escala global, ou um ponto de inflexão irreversível poderia ser acionado, mergulhando o mundo em uma barbárie inimaginável.

Biden não tem intenção de fazer essa transição. Apesar de toda a sua fanfarronice sobre “empregos verdes”, ele não renunciou aos combustíveis fósseis. O mundo está avançando em velocidade recorde em direção a uma catástrofe climática, e a mídia liberal nos diz para aproveitar a jornada – apenas agradecidos porque Trump não está mais no comando! No contexto da crise climática, a lógica do mal menor nos diz que, se vamos dirigir perto de um penhasco, é melhor ir com um condutor que pisará só um pouco no acelerador – porque há outro condutor que pisará no freio.

Boom recorde do petróleo

Explicando a importância de se montar uma equipe de transição presidencial focada em políticas, o artigo do New York Times mencionado acima nos informa, com desaprovação, que “a transição de George W. Bush criou uma Força-Tarefa de Energia focada em combustíveis fósseis”. Mas quando Obama e Biden assumiram as rédeas das mãos do “homem do petróleo do Texas”, tomaram eles medidas para reverter o curso? A administração deles começou com controle total do Senado e da Câmara, então, certamente, eles presidiram um período de ação climática ousada para conter as emissões entre 2008 e 2016.

Longe disso. O artigo do Times não se preocupou em mencionar que, no final dos anos Obama-Biden, seis milhões de barris por dia (BPD) a mais de combustíveis fósseis estavam sendo bombeados em comparação com seu predecessor “focado nos combustíveis fósseis”. Na verdade, sob Bush, a produção de petróleo dos EUA estava abaixo dos níveis da década de 1970, em média 5,8 milhões de BPD, apenas para entrar em uma bonança sob os Democratas. Estranhamente, em toda a sua cobertura da suposta cruzada climática de Biden, o New York Times não considerou adequado divulgar esta notícia.

Em 2016, no final dos anos Obama, a Forbes traçou um balanço de um governo que se deliciava em apresentar uma imagem ambientalmente progressista e concluiu que, na realidade, o setor de combustíveis fósseis nunca havia se dado tão bem:

A ironia é que o presidente Obama – que não é visto como amigo da indústria de petróleo e gás – presidiu o aumento da produção de petróleo em cada um dos sete anos em que esteve no cargo Desde aquele ponto baixo em 2008, a produção de petróleo nos EUA cresceu, a cada ano, para atingir 9,4 milhões de BPD em 2015 – um ganho de 88% durante a presidência de Obama. Este é, de fato, o maior aumento da produção nacional de petróleo durante qualquer presidência na história dos Estados Unidos (ênfase nossa).

Ao longo de sua campanha eleitoral, Biden frequentemente exibiu seu legado como parte do governo Obama. E aí está, um aumento de 88% na produção de petróleo bruto e gás natural – a expansão de combustível fóssil mais rápida da história do país.

Com a ajuda de Obama e Biden, as empresas de combustíveis fósseis dobraram sua contribuição para o aquecimento global nas últimas décadas, emitindo mais gases de efeito estufa globalmente nos últimos 30 anos do que em quase dois séculos e meio desde o surgimento da indústria capitalista moderna. Isso, com o conhecimento perfeito dos governos capitalistas – o IPCC tem publicado seus avisos desde 1988 – e das próprias empresas de combustíveis fósseis que tiveram permissão para conduzir uma campanha de desinformação massiva sobre a ciência climática durante décadas.

Previsivelmente, o boom dos combustíveis fósseis e das emissões resultantes levaram a uma aceleração vertiginosa do aquecimento global e ao início de um caos climático catastrófico. Podemos agradecer ao sorridente e ecológico governo Democrata por ajudar a acelerar o processo.

“Aqui está o acordo. Eu não apoio o novo acordo verde!”

Depois de quatro anos de instabilidade imprevisível sob Trump, a vitória de Biden representa a vitória do candidato de Wall Street – um instrumento confiável para defender os interesses comuns da classe dominante. Para grande aborrecimento do respeitável sistema capitalista, Trump retirou os EUA do Acordo de Paris. Este acordo simbólico e sem perspectiva não tinha mandato e, portanto, permitia que os Estados membros fizessem um gesto climático simbólico sem nenhum custo extra. Biden restaurará o gesto e tudo ficará bem – ou pelo menos é o que nos dizem.

Durante a campanha e no palco do debate, Biden deixou clara sua posição em relação ao Green New Deal quando rejeitou abertamente a plataforma apoiada por Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez. Como explicamos em outro lugar, o Green New Deal tem limitações severas. Ao contrário de sua contraparte no Partido Trabalhista britânico, que clama por “propriedade pública e democrática na medida do necessário para a transformação“, a proposta apresentada por AOC sugere que a reorganização completa da economia poderia ocorrer dentro dos limites da propriedade privada capitalista e do mercado. Embora a resolução inclua objetivos abrangentes, como garantir emprego universal e proteção aos trabalhadores em transição para fora da indústria de combustíveis fósseis, seu único item realmente acionável é a criação de uma comissão parlamentar para traçar um plano – uma comissão que seria dominada por políticos pró-capitalistas. Ainda assim, é amplamente percebido como um apelo para uma transformação radical da infraestrutura de energia do país – e isso explica sua crescente popularidade.

Embora os liberais fiquem deslumbrados com o som de cada declaração ensaiada pela boca de Biden, as ações falam mais alto do que os chavões. Poucos dias depois de conquistar a eleição, Wall Street Joe não perdeu tempo reunindo seus amigos do combustível fóssil para começar a trabalhar e discutir as vagas de emprego na West Wing [assessoria presidencial].

Em primeiro lugar, para o cargo de seu enlace climático na Casa Branca, quem melhor do que o deputado Cedric Richmond, um dos principais homens do petróleo no Congresso? Durante seu mandato, Richmond arrecadou US$ 341 mil em doações de empresas de petróleo e gás – mais do que qualquer outro Democrata – de empresas como ExxonMobil, Chevron, Valero Energy, Phillips 66 etc.

Embora a nomeação seja mais uma decepção para ativistas que pensavam que o novo governo poderia ser “pressionado para a esquerda”, não é nenhuma surpresa quando olhamos para a equipe de assessores de política climática de Biden: um executivo de combustíveis fósseis após o outro. Por exemplo, Ernest Moniz, um forte defensor do fraturamento hidráulico e do gás natural que atuou como Secretário de Energia sob Obama antes de ingressar no conselho da Southern Company, uma empresa de gás natural com sede em Atlanta. O multimilionário executivo de combustíveis fósseis tem aconselhado a campanha de Biden e pode até mesmo recuperar seu antigo emprego sob a nova administração. Lá, ele poderia continuar a argumentar que os combustíveis fósseis têm um papel essencial a desempenhar em um futuro de “baixo carbono”.

Outros ex-membros e parceiros do governo Obama seguiram o mesmo caminho, desde intermediários para a Casa Branca e a indústria de energia a executivos da indústria, um círculo completo de volta como conselheiros de Biden e candidatos esperançosos de formar suas equipes políticas. Na verdade, o Wall Street Journal identificou 40 lobistas atuais ou antigos contratados pela equipe de transição de Biden, incluindo representantes de empresas de combustíveis fósseis como a BP America, e outros “membros da equipe [que] são muito respeitados em seus campos e por sua vasta experiência nas agências federais que revisam”.

Essa porta giratória não é novidade para o estado burguês – o governo Trump empregava 281 lobistas. Afinal, o Estado “nada mais é do que um comitê para administrar os assuntos comuns de toda a burguesia”, para usar as famosas palavras de Marx. Gerenciar esses assuntos nesta época significa falar da boca para fora com relação à urgência de se abordar uma crise climática iminente, garantindo que qualquer transição que ocorra seja lucrativa para o capitalismo, às custas da classe trabalhadora.

O capitalismo é o obstáculo da humanidade

Em 2020, o mundo passou por uma década de crises concentradas em um único ano. Com a mídia internacional focada na pandemia, nas eleições nos Estados Unidos e no início de uma profunda recessão mundial, a iminente crise climática pode ficar enterrada nas manchetes. No entanto, esse problema está na frente e no centro da vida de milhões – é difícil ignorar quando vastas regiões estão novamente em chamas ou debaixo d’água.

Até agora, em 2020, a área combinada de terras que ardeu na região oeste dos Estados Unidos é de quase 14 mil milhas quadradas – o equivalente a cerca de metade da área da Carolina do Sul. Este ano não está apenas a caminho de ser o mais quente globalmente da história, mas também viu concentrações recordes de gases de efeito estufa na atmosfera. Também registrou um recorde de 29 tempestades tropicais no Atlântico – tantas que os cientistas que as nomearam tiveram que recorrer às letras do alfabeto grego depois de esgotar o latino.

A evidência da mudança climática não é apenas esmagadora, mas também está se acelerando, e os ativistas climáticos estão compreensivelmente ansiosos por boas notícias. Mas ter esperança de progresso sob a administração de direita de Joe Biden é um beco sem saída e uma receita para a desmoralização. A experiência de mais um governo capitalista colocando os lucros e a acumulação de capital acima de tudo será uma lição difícil para a geração de jovens que se radicalizou rapidamente e que vê a crise climática deste século como seu próprio futuro. Mas, em vez de sucumbir ao pessimismo apocalíptico, deve servir de base para tirar uma conclusão evidente – que o capitalismo e seus representantes políticos são responsáveis ​​por trazer a humanidade a esse limite.

Mais do que qualquer outra questão, esta crise revelou os limites estreitos da propriedade privada e do estado-nação. A própria lógica do capitalismo torna impossível realizar as medidas urgentes necessárias para enfrentar esta crise – a coordenação consciente das forças produtivas da sociedade e a rápida reequipagem da economia em uma escala sem precedentes. Em suma, a crise anuncia fortemente a necessidade de uma economia planejada democraticamente sob o controle da classe trabalhadora. Responder ao chamado significa lutar pela revolução socialista em nossa vida.

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