Líbia: parlamento invadido por levante das massas

Na noite de 1º de julho uma revolta eclodiu por toda a Líbia. O prédio do parlamento em Tobruk, na unidade administrativa de Cyrenaica, foi invadido por protestos e foi parcialmente queimado após as massas usarem uma escavadeira para arrombar as portas do lugar.

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Em Tripoli, o palácio presidencial foi cercado por milhares de manifestantes. A polícia retirou-os de lá, e então os manifestantes avançaram em direção ao palácio do primeiro-ministro.  Forças de segurança reagiram atirando para cima, porém, isso não fez o protesto cessar. No sábado, barricadas foram erguidas nas principais estradas a oeste da capital, em especial em Tadjoura. Manifestações de massas irromperam em todas as maiores cidades.

A população que tomou as ruas, novamente levantando a mais famosa palavra de ordem dos protestos de 2011: “O povo quer a queda do regime”. Em Benghazi, na fortaleza do poderoso general Khalifa Haftar, centenas de pessoas cantaram “Líbia, Líbia” e reivindicaram melhores condições de vida. Em Misrata, manifestantes tentaram invadir a prefeitura.

Jovens e trabalhadores estavam na vanguarda. Eles estão protestando pelo pagamentos de salários que não foram pagos por meses, e pela eletricidade, a qual nestas semanas quentes foi cortada por mais de 12 horas por dia, enquanto as temperaturas alcançavam 45º C. A crise alimentar, em especial com a não entrega de trigo por parte da Ucrânia, também atingiu fortemente o país.

Os manifestantes escolheram usar roupa amarela, símbolo dos movimentos de massa na França entre 2018 e 2019, mostrando sua perspectiva internacional. “Estamos cansados, estamos cansados! A nação quer derrubar o governo! Queremos eletricidade!”, cantaram os manifestantes em Trípoli, enquanto exigiam novas eleições.

“Somos um país produtor de petróleo que tem a energia elétrica cortada todos os dias. Isso significa que o país é dirigido por pessoas corruptas”, disse um manifestante.

A situação na Líbia é desesperadora. Devido ao impasse político existente, na primeira metade de 2022, a produção de petróleo na Líbia foi de apenas 100.000-150.000 barris por dia, abaixo de 1,2 milhões em relação ao ano passado!

A desconfiança de todos os políticos é uma característica comum do movimento. Porém, muitas das manifestações também expressaram a falta de confiança nas milícias armadas que foram envolvidas numa guerra civil desde 2011 (formadas e paga por poderes estrangeiros), e que levou o país à ruína, e isso vem crescentemente desempenhando um papel político.

Ainda mais interessante é o fato de que em Trípoli as massas trouxeram sinais de “X” não apenas contra os políticos do Líbano, mas também contra  a imagem de Stephanie Williams, a enviada da Organização das Nações Unidas à Líbia.

O movimento atravessou as divisões territoriais causadas pela guerra civil e está avançando por demandas comuns, de Tripolitânia a Cyrenaica, através de Fezzan. É um movimento completamente espontâneo. Como foi explicado pelo correspondente do jornal italiano La Reppublica, “ têm característica de uma nova Primavera Árabe”.

A classe dominante do mundo inteiro está extremamente preocupada. O secretário das ONU, Guterres, pediu por “paz” e apelou  aos manifestantes para que “evitassem atos de violência”, explicitamente condenando o ataque ao parlamento. Que hipocrisia fétida!

Essa é a mesma ONU que, com a resolução 1.973 em 2011, estabeleceu uma base legal para intervenção militar, demandando por “um imediato cessar-fogo” e autorizando os imperialistas a estabelecer uma zona interditada ao voo sob o país.

A ONU deu um sinal verde para esmagar uma revolução genuína, conectada à Primavera Árabe de 2011, conduzindo ao assassinato de Gaddafi e a uma guerra civil. A ONU é responsável pelo pesadelo através do qual as massas líbias estão passando nos últimos onze anos.

Após a intervenção imperialista, o estado virtualmente colapsou. Como a nação com a nona maior reserva de petróleo do mundo, a Líbia tornou-se um campo de batalha entre milícias rivais e senhores de guerra, todos apoiados por poderes regionais ou internacionais.

Desde 2015, o confronto está concentrado no Governo de Acordo Nacional  (GNA) em Trípoli de um lado, e o Exército Nacional Líbio (LNA) de outro, em Tobruk.

Haftar, líder da LNA, lançou uma ofensiva para conquistar o país inteiro, mas ele acabou fracassando em 2019-20. A LNA é apoiada pelo Egito, EUA, Emirados Árabes Unidos, França e Rússia.

A Turquia, apoiada pelo Qatar e o resto da chamada “Comunidade Internacional”, foram decisivos para parar Haftar através da operação de Erdogan, chamada “Tempestade de Paz”.

O GNA sobreviveu, mas não conseguiu derrotar o Haftar. Presidentes muito fracos foram seguindo um após o outro, todos reféns da atividade desenfreada das milícias.

Essa milícias receberam milhões de euros da União Europeia, e, em especial, da Itália, em troca do controle do Mar Mediterrâneo e prevenção de imigração ilegal. “De 10 milhões (de euros) em 2020 para 10,5 em 2021. Um total de 32,6 milhões (de euros) foi alocado para a guarda costeira da Líbia desde 2017; o número de milhões gastos pela Itália em missões em países do norte da África  aumentou para 271 milhões”. O mesmo documento da Oxfam afirmou que ao menos 20.000 imigrantes desapareceram na Líbia nos últimos cinco anos!

Ambos os lados entraram em acordo por eleições presidenciais a serem realizadas em dezembro, mas foram adiadas. O motivo? Além dos dois principais candidatos, Khalifa Haftar e o então primeiro ministro Dbeibah, um terceiro partido emergiu: Seif al Islam Gaddafi, o filho do famoso coronel. O impasse e os destroços do país fizeram camadas das massas, em especial de Fezzan, olharem em direção ao passado.

No tempo do Gaddafi, graças a algumas reformas radicais (as quais, entretanto, falharam em derrubar o capitalismo), as massas ao menos tinham comida e eletricidade 24 horas por dia! Dessa maneira, não é de se admirar que alguns dos manifestantes carregassem inocentes bandeiras da era Gaddafi. É um primeiro passo para um despertar após um longo período de hibernação.

Uma corrida com três competidores sem um vencedor, ou pior, com Gaddafi vencendo, seria completamente vexatório ao Ocidente. Desde então, os conflitos dentro das instituições continuaram a se intensificar. Fathi Bashgha, nomeado pelo primeiro-ministro em março para o parlamento em Tobruk, tentou entrar em Trípoli para tomar posse na capital. Porém, ele foi forçado a recuar na manhã do dia 17 de maio, após pesado tiroteio com milicias localizadas em Tripoli.

A situação de crise econômica, política e social pode durar indefinidamente. As milícias e o GNA não irão recuar porque sabem que têm as costas quentes. Em Trípoli, Erdogan controla cada vez mais a atividade militar e política na Tripolitânia. Em outubro de 2020, a Turquia tomou a guarda costeira líbia e iniciou o treinamento de suas tripulações, uma missão previamente realizada pela Itália. Em janeiro, a Turquia estendeu a permanência de seus soldados e conselheiros militares, estimados em 7.000 na Líbia, por dezoito meses. Os Estados Unidos aparentavam estar mais distantes, porém, a indicação de um dos diplomatas, Stephanie Williams, como cabeça da missão da ONU na Líbia, demonstra que Washington quer ter um controle próximo da situação.

Na medida em que Tobruk está preocupada, a candidatura de Bashaga foi firmemente apoiada pela França. Paris está tentando restabelecer sua influência no norte e ocidente da África, após vários reveses (o principal foi o recuo no Mali alguns meses atrás). A Rússia ajudou Haftar com materiais bélicos e aviões e ainda tem pelo menos 100 soldados advindos do Grupo Wagner em solo.

Há uma guerra sangrenta aproximando-se, na qual poderes regionais testam seus equipamentos e forças na pele da população indefesa, enquanto cada senhor da guerra também tenta colocar em ação seu próprio jogo, baseado em sua força militar. Trata-se de um conflito reacionário por todos os lados.

Esse pesadelo a luz do dia parecia não ter fim, até a principal força da história, as massas, entrar em cena no dia 1 de julho. O maravilhoso movimento dos trabalhadores e jovens líbios mostra que, mesmo nas condições mais adversas, as massas conseguem encontrar o caminho para a luta coletiva.

As massas nas ruas mostraram que entenderam o que elas definitivamente não querem: todos os políticos, as milícias, a ONU e os poderes estrangeiros. Com base na experiência de luta, eles devem desenvolver um programa para deixar claras as suas demandas positivas.

O que é necessário é o programa da revolução socialista, da Líbia para o mundo árabe inteiro, para pôr fim a estes onze anos de barbárie.

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